Final da tarde, sentado
à beira do cais, as pernas em pêndulo, pés riscando a água e provocando
oscilações no mar e nos pensamentos. Nuvens esfomeadas flutuam,
parecendo engolir umas às outras, num balé extravagante. Outras, se
movimentam displicentes. Chocam-se entre si sem o menor senso de
direção. Aqui e acolá, insetos abusados ensaiam ataques, logo
abafados pelo rufar das asas de uma imponente borboleta.
Avisto um solitário
pivete, franzino, cabelos espetados e tostados, metido numa embarcação improvisada de toras, barbantes, tecidos brancos rasgados
e muita criatividade. Ignorando os imprevistos da travessia
concentra-se no seu objetivo decisivo desde as fraldas: Navegar os
sete mares com a desenvoltura de um veterano. Determinado, decifraria os rumos
escondidos nos mistérios das correntes. Sentia-lhe respingar na
testa e no peito pingos d'água e orgulho. Era-lhe notável a ambição
pelo status de lobo do mar. Revoltava-lhe não ter nascido nos tempos
de piratas. Não ter partilhado das caças ao tesouro. Eram-lhe
pertinentes assuntos de Moby Dick, Barba ruiva, navios fantasmas e
outras maresias.
Imaginava-se rompendo
furiosas tempestades, singrando fácil as veredas das águas,
transpassando a potência dos ventos. As intempéries naturais não
conseguiriam demovê-lo sob hipótese nenhuma do que o farol anunciava:
Sensação de liberdade. Era bonito de se ver, um pequeno ponto
aventureiro, convencido soberbamente ser um marinheiro escolado,
aguentando o balanço, soltando as amarras. Único tripulante de uma
embarcação sem rotas ou mapas. Seu destino não tinha inscrição,
tamanho ou alcance. Não cabia-se nas simbologias do alvo lenço das velas.
Da proa,
sonhava alto. Em terra firme ou em mar grosso. De moleque topetudo à
marujo coroa. No convés, um coquetel de batéis desarvorados, promessas em suspenso e destinos insólitos.