Ao longe, avisto um pequeno ponto luz, vindo de
uma humilde choupana. No seu interior encontra-se um casal
aproximando-se dos 90 anos. Ao som da fricção das asas dos grilos e
algumas cigarras a ostentar seu potencial vocal. Ela, traja um
vestido de linho com um avental por cima. Nos pés, chinelos com
detalhes em crochê, improvisados com suas habilidades manuais.
Carrega sobre os olhos pequenos e cinzas, um óculos de formas
arredondadas. Ornamenta seu dedo franzino, com uma grossa aliança
de ouro maciço, simbolizando a fidelidade que sustentará até o
último suspiro. Ele, sobre os cabelos prateados, conduz um chapéu
de feltro surrado, manchado de suor. Porta entre os dedos um cigarro
de palha já um tanto amassado. Entre eles, a celebração permanente
de todas as noites. Antes do sono, o ritual de todas as confidências,
de todos os escrúpulos. Sem uma única palavra. Só o reencontro dos
olhares, a certeza de ambos se vasculhando entre a fumaça que lambe
a cozinha e o gato companheiro a ronronar suas reivindicações.
Travam um longo e íntimo diálogo. Não há
palavras. Não precisam. Existe tal sincronicidade no amor construído
pelo tempo, que o silêncio basta. Mais de meio século de
convivência permitem que identifiquem o humor pelo ritmo dos passos,
pelo maneio da cabeça ou pelos simples estalos provocados pela
língua. O estreitamento dos laços define-se até nos movimentos de
segurar a xícara de café, nos abanos familiares da expulsão de
moscas intrusas, esfomeadas e exigindo o suposto direito adquirido
das migalhas renegadas ao exílio dos supérfluos. As mãos, outrora
firmes, agora frágeis admitem certo cansaço. Resignadas, manipulam
o amor que (legitimamente) tomaram posse.
São acompanhados por um fogão à lenha, com
algumas toras de madeira crepitando, queimando qualquer indício de
negociata. A experiência por si só, domina as veredas e atalhos da
intimidade. Compreende cada nova dobradura da pele, cada vinco
audacioso e desconhecido que surge no pescoço.
Do lado de fora, cai uma neblina gelada e teimosa.
Sabe a proporção do incômodo que causa, e por pirraça não prevê
desistência. Gregária, cerca-se de outras gotas determinadas para
promoverem o espetáculo da chuva.
Contrariando o falso conceito da opulência
retratado por corações abarrotados de paixões efêmeras, a beleza
do simples pode ser encerrada entre as paredes de um casebre, onde
reina verdadeiramente os sentimentos mais nobres.
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