Páginas

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Histórias invisíveis


Anos atrás, conheci uma garotinha hiperativa, totalmente incompatível com a vassoura que empunhava. De cabelos encaracolados, olhos mel esverdeados e um olhar de hipnotizar até os mais distraídos (estou fora da relação).

Às vésperas de um noivado que se transformaria num casamento meses depois, não olhei para aquela menininha com olhares impuros (não carrego nenhum desvio característico dos pedófilos), simplesmente visualizei uma bela mulher que o tempo moldaria.

O relógio desenfreado encarrilou suas andanças incansáveis e seus ponteiros avançaram decisivos. Acompanharam minha separação, conspiraram, tramaram novo encontro com o passado. Aquela primeira impressão que profetizei se definiu. A ninfeta virou mulher e seus encantos me acertaram.  

Solteiro de novo, disponível para aventuras, novas histórias, apto e disposto a recomeçar. Engatamos um relacionamento que não duraria. Não poderia vingar (nossos interesses eram conflitantes). Enquanto ela buscava segurança, oferecia à minha maneira momentos fluídos, saldo insuficiente para tamanho empreendimento. Minha proposta era infinitamente inferior à suas ambições perfeitamente naturais.

Fui noticiado casualmente da sua morte recentemente. Um acidente fatal interrompeu a sua vida e todos os projetos em curso. Deixou um bebê com pouco tempo de vida que só a conhecerá através de fotos e comentários. Lamentável que suas memórias tenham sido simplificadas numa criança que nem teve o privilégio de sentir o seu cheiro.

Pensei de imediato numa afirmação repercutida no meu meio: Num velório é possível verificar o índice de popularidade da vítima. Fiquei sabendo do episódio meses depois do ocorrido (nem tive oportunidade de demonstrar minha presença). Desconfio que algumas pessoas continuam desconhecendo a fatalidade.

Onde quero chegar?

E o que ficou da história?

Se possuía algum cargo importante, certamente foi substituída.

Se constituiu bens, seguramente inventário e inventariantes (muitos) foram acionados.

A minha tristeza é por perceber o quanto valemos. No caso dela, praticamente nada.   

                                                         


quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Envergonhado


Continuo observando no elemento humano a maior variedade de contrastes (faces, nuances, particularidades, possibilidades). Nada é tão interessante quanto a complexidade humana. É nela que encontro inspiração para respirar e escrever. Entretanto, certos acontecimentos me causam indignação. A simples classificação de humano às vezes soa estranho diante de certas atitudes (covardes, ratifico).

Um homem muito simples, humilde imigrante nordestino; iletrado, mas dono de uma gargalhada de causar inveja, um bom amigo da família.  Sempre presente no nosso cotidiano. Com profunda tristeza relatou seu drama e me deixou estarrecido. Depois de perder sua companheira (uma senhora que exalava o bem), foi convidado a se retirar da sua própria casa pelos seus filhos. Quando tentou regressar à sua cidade de origem foi impedido por outro filho que lá fixou residência. Enquanto relatava, lágrimas escapavam como alento aos olhos cansados. É claro que ele pode se valer de argumentações e respaldos jurídicos, mas é tarde demais. Senti que lhe faltam motivação. O sentido parece ter se afastado. A morte, abreviará o seu desgosto. 

Ainda assim, como disse Anne Frank, eu acredito na dignidade humana.

...Certamente com esforço.