Páginas

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O amor em crise



Desisti de acreditar – ou nunca me fizeram acreditar que o amor valesse a pena. Aprendi que o amor é muito estranho e demanda muitos sacrifícios, muitas renúncias. Prefiro o controle do meu egoísmo. Já acatei a condição de isolamento – não me refiro somente às tristezas. Às vezes também acho graça comigo.

Amar intensamente? Até que ponto devo submeter-me ao que já estava prescrito? A habilidade na manutenção das relações até tenho. A disposição de manter-me íntegro aos apelos do coração é o que me falta. Muitos abominarão o comportamento.Não se pode cobrar fidelidade quando não conseguimos adotá-la (confesso que estou aprendendo a ser exclusivo). Entretanto existe uma ética na minha conduta. Jamais deixarei de ser honesto no que acredito.
 
Recordo-me agora de um caso acorrido há muitos anos atrás, no lugar onde nasci.Uma vizinha bonita, mãe de quatro filhos, comportamento completamente adequado às normas sociais. Surgiram comentários de uma suposta traição no passado que teria resultado no nascimento de um dos seus filhos. Apesar da aparência física desse filho com o suspeito, era prudente não alimentar a chama da desconfiança. Fato é que tempos depois, numa desavença com uma irmã, veio à tona o segredo...

Ela fraquejou (sob circunstâncias que jamais saberemos), cometeu adultério e dessa relação nasceu um filho. 

O marido enfurecido e ferido na sua vaidade de macho, cobrou explicações. Pressionada, desesperada, acuada se enforcou. Deixou apenas um bilhete – que só teve o conteúdo divulgado à polícia.

A irmã delatora do escândalo, tomada de um fumegante peso na consciência, ingeriu uma alta dosagem de remédios e na sua covardia, faleceu. Nem preciso comentar dos falatórios e dos julgamentos hipócritas levantados contra essa mulher, que por um amor insano, arruinou uma família. Ao invés da sentença de todos, me concentrei no equilíbrio dessa senhora para camuflar um amor proibido. O traído reconstruiu um novo casamento e continuou...

O amor me oferece alças para apoio, mas me afasto e o recuso por receio de não saber como dominá-lo.

Ninguém sabe que amor insano foi capaz de levá-la ao extremo do adultério. Óbvio que a fraqueza prevaleceu (até mesmo no enforcamento).

Ainda assim, o que interpretam como covardia, avalio como coragem.


                                                          

Dias de trovão


Estou classificado na categoria de humano – cativo às de resoluções do destino.

Desconheço quem nunca sorveu o amargo de um dia de cão. Oscilamos momentos de euforia e porções de abatimento. Dias escuros, prenúncio de trovoadas, sol esquivo e entocado nas sombras da sua reserva. Decerto e inevitável o céu a seguir, apresentará novo brilho ao opaco e espesso material de bronze.

Acordo em desacordo, irritado, certezas enviesadas, planos estilhaçados, alegrias distantes.

Otimismo ausente e cores pálidas, justamente nesse dia, envolvem o meu contundente enforcamento.

Ressurgem ferimentos ainda abertos – lesões teimosas e reincidentes, tecidos necrosados. Os meus argumentos parecem pisoteados, descorados e cadavéricos... Golpes imaginários são desferidos e atingem partículas do pó em que me materializei. No hiato dessa lacuna em branco residem os sabores do futuro.

Lá fora, nuvens escuras simulam um dilúvio. Muitas obesas, fora do peso, mal humoradas e atrapalhadas – esbarram-se umas contra as outras, irritando a atmosfera e provocando a ira dos raios e trovões. Relâmpagos sibilam e cortam o ar em sinal de irritação.

Deveria ser amparado por Deus, mas falando nisso, onde o encontro?

(...) Isso é matéria para daqui a pouco.


                                                                  




quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Perspectiva da loucura



Com 15 anos inteiros, sem registro em carteira, desprotegido pelos direitos da CLT, dono de uma única certeza: Teria comigo as rédeas da liberdade. Dei início nas minhas aguardadas atividades profissionais como vendedor de produtos de primeira necessidade, numa espécie de mercadão.O salário era ínfimo, mas o que  importava é que eu estava crescendo, ganhando autonomia.

Havia no mercado inúmeros quiosques, por onde passava todos os dias, uma velha senhora - maltrapilha, rico acervo de palavrões. Desbocada mesmo! Familiarizada com o ambiente e os comerciantes, exigia em alto e bom som o objeto da sua compulsão, da sua loucura: Uma caixa de fósforos. Geralmente embriagada, sorriso sem dentes e uma mão estendida.

Quem seria capaz de contrariá-la?

Temendo constrangimentos, os comerciantes submetiam-se sem hesitar àquele estranho pedido. Não ousavam o confronto dos olhos – assim como eu. Havia um cão em posição de ataque, exigindo que o seu insignificante capricho fosse respeitado. Naquela sanha de extravagâncias, imperava o absurdo das vontades de quem sabe, uma postulante a incendiária de Roma. Ou ainda, uma simples cidadã, contrária às regras do sistema. Buscando ao seu modo chamar a atenção do poder para a sua voz de comando.
Fui percebendo que naquele ato inadvertido de disparate existia uma centelha de censura.

Resquícios de sanidade dentro dos devaneios. Não estava embutida naquela súplica contínua, imposições de valor monetário – tratava-se de elementos simbólicos.

Perguntas que não calam:

Onde seria depositado tanto material?

Como se desencadeara o distúrbio?

Loucura?

Depende do ponto de vista.

                                                        

     



terça-feira, 11 de agosto de 2009

Revolução das células


 Anos atrás, ouvi uma declaração que aparentava uma anedota, tal me parecia o surrealismo preconizado pelas afirmações tão hipotéticas.

“No futuro, chegaremos às gôndolas e estarão expostos órgãos, que poderão satisfazer nossas necessidades”.

Hoje, apesar da dimensão extravagante, percebo nuances possíveis.

Como hesitar diante do incontestável? Seria como pôr em dúvida, a presença de Deus. O homem sem perceber, está atingindo a máxima evolução, ou sendo desafiado no limite da sua inteligência. Chegará num ponto onde haverá um impasse: Recorrer a Deus será a saída.

Quem nunca ouviu relatos de animais que regeneraram órgãos ou do soro antiofídico, desenvolvido a partir do próprio veneno das serpentes? Deus criou o homem e dele mesmo está extraindo sua continuação. Para os agnósticos, proponho nova reflexão.

Compreendo as células-tronco como raízes. As sementes estão sendo arremessadas aos poucos nos sulcos dos milagres. Sem barulho, dessa semeadura, virão as colheitas. Os galhos dessa árvore frondosa despontarão e, numa velocidade vertiginosa, produzirão o inimaginável. Obviamente, um milagre de tal magnitude exigirá tempo.

Nanotecnologia, espermatozoides produzidos em laboratório – Pobres machos, substituídos por vibradores. A esterilidade masculina perde a força e a mulher ganha a autonomia da escolha. Daqui a alguns anos serão produzidos até cérebros mecânicos. Criaturas totalmente robóticas. Homens de lata, exonerados de emoções,  expressões de plástico. Projetos sem alma e ainda inacabados. A medicina até então preventiva, salta para a medicina regenerativa.

Ora, que venham as mudanças.

                                                                    




terça-feira, 28 de julho de 2009

Deus aos pedaços - parte II

(Parafraseando Keyla Carvalho)...

Que criatura sacrificaria o seu domingo de folga para presenciar o banho de sol de um detento? Penetraria no esgotado sistema penitenciário, na busca de elementos que justificassem o sentido da liberdade?


 Que ser humano renunciaria os detalhes cotidianos para acompanhar uma amiga em visita a um companheiro detido e encarcerado há um ano? Que sensibilidade tentaria compreender o outro, sem os julgamentos preconcebidos e sem os crucifixos adiantados da sentença?

Existe, como diz ela, uma plateia da perfeição. A hipocrisia é certamente a “virtude” às avessas do comportamento humano. Quando a justiça ajuíza imputáveis os delitos de alguém, não está implícita a visita ao sistema prisional. Apenas determina que certa sanção seja cumprida. Em detrimento de fatores alheios e subjetivos à aplicação da pena.

Ninguém como ela, presenciou a densidade prisional – que exige uma fila externa às celas, ignorando o sol a pino ou as chuvas, sejam elas brandas ou torrenciais. Constatou de perto o código de ética impresso atrás das grades, que comporta entre os enclausurados, o respeito às mulheres, NUNCA MIRÁ-LAS DE FRENTE.

Não estou questionando o rigor da lei, nem tampouco caracterizando como lisura os atos infracionais. Não quero compactuar das polêmicas, nem me cabem os exageros da verdade absoluta – ainda mais quando não conheço nem a mim mesmo. Contudo, é preciso tentar entender as complexidades da mente humana. Um bom começo é ter o desprendimento que teve minha amiga Keyla. 

Para compreensão da liberdade é preciso submeter-se à asfixia do confinamento. É presenciar um filho conclamar um réu de herói (como fazem os filhos dos presidiários, independente do crime que cometeram). 

Essa é a Keyla a quem observo cautelosamente. A quem dedico a minha ousadia de desafiar as perguntas. Estou convencido que a luz do Israel terá igual e intenso alcance ao da sua proposta.

Obrigado por tudo.

                                                                    

     

     



     

     





sexta-feira, 24 de julho de 2009

Deus aos pedaços - parte I




Tive uma conversa curiosa com a minha amiga Keyla – morena de olhos negros e espertos, beleza clássica, sorriso perfeito e contagiante, uma mulher suave.

Mesmo pela frieza das teclas e da parede da tela, interagimos e descobrimos partes do Deus que habita  em nós.

Costumo brincar que o Henrique estaria ameaçado se não a tivesse levado ao altar. Contrário ao convencional, nosso encontro nunca envolveu cenas tórridas ou beijos lascivos. Sempre foi uma sociedade pautada na admiração, no respeito e na originalidade de novos conceitos.

Confesso que me surpreendi com os comentários sensivelmente lançados por ela...

Participou por quarenta e cinco dias ininterruptos, todas as manhãs, de visitas a uma pessoa bem próxima, num hospital psiquiátrico. O que me impressionou no relato foi a descrição ricamente elaborada.


Os detalhes observados às minúcias. Incluindo inclusive, uma fileira de formigas, infiltradas na sua lembrança, enquanto conversavam num banquinho, sob a sombra de uma árvore.

À época, como parte do grupo que administrava entre os negócios, o Hospital psiquiátrico, gozava de algumas regalias: Visitas em horários extraordinários, condução de alimentos sem restrição ao paciente... Ao contrário do que as regras a beneficiavam, preferia o tratamento dispensado a todos – sem exceção.

Comumente ouvia comentários estúpidos: Tenho medo desse lugar.

Ela ponderava e pensava:  - Deveria ter medo do que se transformou.

Ao chegar à Unidade, se dirigia à recepção e aguardava atenta chegar a sua vez. 

Uma moça vociferava ao microfone:

Paciente “x”, sua mãe na visita. Ou Paciente “x”, seu irmão na visita.

Essa é a rotina de quem acompanha de perto os fragilizados.

Em nenhum momento, ela ouviu o som de "AMIGO" à espera.

Essa revelação se abateu sobre as minhas concepções. Não questiono a conduta de quem anda próximo. Questiono, sobretudo a minha ação. Até que ponto o meu desprendimento e generosidade consistem em olhar o outro. Nesses pequenos detalhes é que o eixo da nossa relação se estabelece.

Keyla, não se afaste! preciso de você.

                                                       

     

     



     

     




pegue a sua no TemplatesdaLua.com

Império dos sentidos




Recluso e reservado ao silencioso cume de uma colina, tal um lobo solitário, vive um senhor no alto dos seus setenta anos: Altura mediana, cenho fechado, sobrancelhas arqueadas e disformes, olhos opacos – suponho que antes cristalinos, de um cinza aflitivo, resultado da catarata, desenho assimétrico das medidas cranianas, cabelos brancos e ralos. Pelos movimentos táteis e característicos, observo os passos cambaleantes de um deficiente visual.

Aquele olhar translúcido me inquieta e atinge os meus olhos que cobiçam direções tão passageiras e inúteis. Uma pergunta me sacode: Por que meus olhares são tão cegos?

Não sei o seu nome e nem o conheço de perto. Sei apenas que perdeu a mulher e filhos, que passa as tardes numa cadeira de balanço e tem como companheiros um pássaro numa gaiola velha e um cão vira-latas. Apesar da sua aparente indiferença, deixa que uma das suas mãos castigadas pelo tempo seja depositada na cabeça do animal. Arredio à socialização com os homens, dobra-se ao amor bruto e “irracional”.

Aquela cena me atinge e as lágrimas ameaçam escorregar e desafiar meu equilíbrio são controladas. Sinto nascer o ímpeto urgente de puxar uma cadeira e entender como são concebidas suas sensações. Após desatinada reflexão, concluí que aquela relação desarmada era mais que um amor incondicional, transcendia a prescrição da lealdade e da confiança. Configurava-se, sobretudo num pacto sem arranhões.

As pessoas olham naturalmente e da mesma forma, não se concentram no objeto da mira. Ele, destituído do sentido visual, sente. Seja pelo tato ou pelas emoções, agora extremamente potencializadas.

As perspectivas dele são outras. A visualização pelos olhos encobre a sensibilidade da alma e impossibilita que outros olhares sejam ativados.

Largo-me na cama, espalho fotos e lembranças... Certa nostalgia enlaça minhas certezas. Traduzo a mensagem com a leitura perene: O sentido da vida consiste em olhar e ver verdadeiramente. Não atravessamos incólumes pela vida. Estamos expostos e suscetíveis ao crivo da natureza. De repente, de assombro, alguém adentra o recinto, invade meu espaço e pergunta: Você viu o dia lá fora?

Assim, a vida continua...

                                                         

     

     



     

     




























quinta-feira, 16 de julho de 2009

O silêncio


Ouço gritos vindos de muitas direções e sigo calado, experimentando o sabor do vazio.

Inflexões do passado irrompem a dura casca da saudade. Estou sem palavras... Os ecos são vigorosos e cobram retornos.

Pela janela, observo o movimento do vento contra as folhas das árvores numa dança esquisita. O frio congela tudo que se move no exterior da minha pousada. O Silêncio é quebrado pela insistência do ar que transita sem culpa entre os obstáculos naturais.

Declino dois lances de escada e atinjo a rua. O cenário é fantasmagórico. A sombra e as pinceladas de cinza povoam o quadro. Uma atmosfera enevoada, quase triste, habita naquele delírio.

Uma neblina insistente irrita e molha minhas roupas. Ao longe, ouço o toque furtivo de buzinas ensandecidas e o som uníssono da garganta de um galo que ensaia sua ária.

Ao meu lado, soa despudorado um telefone público que ignora as horas avançadas e a inconveniência da proposta.

Avisto naquele espaço ermo, solitário, um vulto errante em desenfreada procura... Descubro tratar-se de um bêbado andarilho a garimpar detritos junto ao meio-fio, buscando bitucas de cigarro. Maldito vício! Maldita vida mendiga! Maldito silêncio.

Após os haustos da minha “loucura”, submeto-me ao concreto do sono reparador.

Ainda assim, o silêncio permanece.

                                                                           
                                  

     

     



     


quinta-feira, 9 de julho de 2009

Por um fio


Atravessando um estágio delicado, onde caminhava a passos cuidadosos na beirada de um precipício, mergulhei sem cuidado na honestidade do autor. Também estive perfilado ao paredão de pacientes terminais retratados por Dráuzio Varella. Como ele, alterei a percepção ao que me rodeia. Todos os meus antigos filtros esgarçaram-se. Olhares que se concentravam em partes, cobravam a visão de um todo. Aquele estereótipo que todos sustentam da auto-suficiência são dispensáveis. Não há espaço para a vaidade  e minúcias narcisistas, quando verdairamente vivemos sob comandos.  De todos os depoimentos colhidos, alguns milagrosamente sobreviveram. Outros, cederam ao iminente desfecho, à derradeira oportunidade de remissão.


Esses dias, do silencio do meu quarto, ouvi um diálogo comovente entre os meus pais no quarto ao lado: Casados há mais de trinta anos, ainda mantêm acesa a chama da cumplicidade e dos fatores que realmente importam. Da cama que abrigou as intensas coreografias dos corpos entrelaçados, restaram os escrúpulos da simplicidade, a troca generosa do amor imortal. Compreendi em sua profundidade o amor que não alcançava – e que talvez seja inacessível às minhas expectativas. Comecei a prestar atenção ao que não queria ver.

Compreendi entre outras coisas, os conflitos instalados nas relações e suas causas: Duas delas são absolutas: Sexo e dinheiro.

Lá fora, o sol espreguiçava-se todas as manhãs, de braços abertos repetia os movimentos paulatinos e rotativos. Dentro de mim, sentia vergonha das minhas pobres prioridades. Enquanto me ocupava de interesses egoístas, alguns sentenciados à morte, revertiam a angústia e o desespero em fé e esperança.

Comumente nossos sentidos de solidariedade e compreensão só são autenticamente identificados quando estamos ameaçados, cerceados, às vésperas do faticídio. Quando Dráuzio observou os detalhes além da medicina, se inseriu na história do outro e, novamente, se tornou brilhante nas suas considerações.

Ao término do livro, sucedeu-me as interrogações:

Por um fio de nylon?
Por um fio de navalha?
Por um fio de algodão?

Um dia saberemos a revelação de tão tênue colocação.

Compartilho com vocês:


pegue a sua no TemplatesdaLua.com



quinta-feira, 2 de julho de 2009

Chão de estrelas




Jaz na calçada da fama a estrela solitária. Sobre a matéria sobrevoa uma revoada de abutres – inebriados pelo cheiro do vil poder. No chão de estrelas são absorvidos fragmentos do astro incandescente e agora desfocado. O pequeno Michael foi vítima da sua genialidade.

O mitológico anjo negro sucumbiu ante o desejo de ser imortal. Não soube administrar a transição para o universo adulto. Foi sufocado pelos interesses egoístas e manipuladores.

Quando pequeno, foi coagido, tolhido, intimidado por um pai repressor e ditador. Não demonstrou um apetite voraz por uma coleção de carros importados, mas por um rancho decorado com um parque de diversões e pela fábula do Peter Pan.


À revelia dos escândalos de pedofilia e insatisfações com o seu retrato, não constam no seu prontuário vídeos ou provas irrefutáveis dos supostos delitos. Ainda as evidências se fortifiquem, o mito está eternizado.

Michael Jackson não foi vitimado por alguma conspiração, como opinaram alguns...

Simplesmente morreu na tentativa desesperada de nascer de novo. Só dessa maneira (supostamente) ele poderia voltar a ser criança.



                                                             
                                  

     

     



     


segunda-feira, 29 de junho de 2009

Caminho das pedras


Em uma fase estranha, desvinculado, disperso, ausente, precisando de motivação, retomar o eixo que parecia se afastar.

Exatamente nessa época, fui apresentado à cidade mineira de São Tomé – Constatarão a minha alusão ao caminho das pedras.

Já a conhecia por boatos – intempestivamente ventilados.. Apologia às drogas – ilícitas e sancionáveis, pelo código civil.

Ervas estimulantes ou cogumelos? É possível.

Drogas sintéticas? Afasto completamente as possibilidades de manuseio pelos nativos. O mesmo não se refere aos turistas – Geralmente de hábitos nocivos à sintonia do povoado. Aprendi a olhar gente simples com outra perspectiva. Boa música e a alegria dos mochileiros.

Numa madrugada, aportei por lá...

Apreensivo, protegido por uma armadura como escudo para supostos ataques.

Acredito que em defesa de mim mesmo, tentava escapar das malhas da minha trama. Sempre travei uma imensa batalha para assimilar os acontecimentos sob uma ótica muito particular. Costumo enxergar as coisas através de prismas contrários aos que me cercam - Meu maior pecado foi colocar sempre uma lupa para enxergar coisas que são perfeitamente visíveis a olho nu.

Um grupo de playboys montados numa caminhonete buscava notícias de entorpecentes. Ao som daquele esmiuçar, me encolhi. Conhecia até que ponto o algoz poderia se infiltrar na fragilidade.

Prisioneiro e refém era do que menos precisava. Pleiteava por liberdade, caminhos livres de espinhos, queria apenas o simples. Encontrei as pedras.

Estive pela primeira vez por lá em 1997.

Depois disso, vieram sucessivas viagens – todas ricas no tocante a experiências saudáveis e amigos inesquecíveis.

Minha última passagem por lá foi em 2002.

Hospedado numa pousada simples, estruturada com apenas dois cômodos - Quarto com uma cama, uma cadeira que usei para apoiar minha sacola e um banheiro com o luxo de um chuveiro com água quente. Na bolsa, continha exatamente duas calças jeans, uma jaqueta de couro, algumas camisetas, um par de chinelos, cuecas, meias, uma toalha de banho, uma escova de dente, um desodorante, um perfume e uma máquina fotográfica - ainda sem câmera.

O material era ínfimo, mas o suficiente para cerca de vinte dias. Teria passado muito mais tempo com a mesma quantidade de roupas. Fiquei pensando no quanto exigimos desnecessariamente. Estava ali sem televisão, sem computador e... Feliz. Cheguei à conclusão que somos insatisfeitos por uma questão estritamente de vaidade, de egos, da submissão aos apelos sedutores do consumo.

Uma senhora humilde e dedicada – proprietária do imóvel se esmerava no asseio da casa. Mantinha aquele espaço – provisoriamente meu, em ordem.

Utilizava aquele domínio apenas nas voltas de longas caminhadas, compridas madrugadas, regadas a incontáveis cervejas, músicas, fogueiras, vinho, violão e muitas conversas interessantes e de conteúdo original.

Após acordar, as minhas paradas eram numa padaria – que mais parecia uma mercearia.

Diferentemente do estilo impresso nas grandes cidades, o comércio dali era de uma exclusividade absoluta. Crianças de pés descalços em disparada, produtos grosseiramente empilhados, falta de identidade com o marketing empregado nos grandes centros. Havia naquela vila de pedras muito mais que lendas de túneis que desembocavam em outras dimensões, estrelas cadentes que riscavam o céu num trânsito apressado, de pizzas servidas em pedras, arquétipos relativos a Ufologia, esportes radicais, estilos de vida alternativa, artesanato, rica gastronomia, o espetáculo da natureza em forma de cachoeiras, desenhos rochosos esculpidos pelo tempo. Existia naquele povoado a disposição de renascer. E foi o que fiz.

São Tomé resgatou o meu eu mais primitivo, desprovido de manobras, destituído de maldades, tão puro quanto aquele solo revestido de pedras. Enxerguei nas pedras o reflexo de humildes camponeses na extração das rochas para a arquitetura das residências.

Eu, Amante das cervejas, era presença garantida nos botecos, de onde foram revelados amigos genuínos e boas conversas.

Sempre atento e observador, notei que nos botecos onde frequentemente passava, sempre havia um senhor nos seus aparentes 50 anos, certa protuberância abdominal, cabelos grisalhos e desgrenhados, baixa estatura, sempre de copo na mão. Ao contrário de cervejas, preferia líquidos mais possantes como pinga com mel ou aguardente curtido no caju. Sempre disperso dos grupos, desconfiado, sisudo, econômico nas falas, enigmático, provavelmente um sábio.

Aproximamo-nos  e apresentamos nosso currículo. Tornamo-nos inseparáveis.

Tratava-se de um homem atraído pelas aventuras e pelas viagens. Casado, equilibrado, apaixonado pela esposa de quem muito falamos. Por motivos de trabalho, tiveram que programar suas agendas em separado. Estava hospedado numa pousada com maiores regalias que a minha, a começar pelas refeições – com direito a café da manhã, almoço e jantar. Disponibilizaram um guia turístico para lhe acompanhar pelas trilhas e lugares de difícil acesso – tratava-se de um garoto esperto, carismático e agradável. Embora, de discurso pronto e frases decoradas.

Eu estava com uma história inacabada em São Paulo com uma mulher recém-separada, ostensiva, inflexível e depositando expectativas na relação que para mim eram surreais. Era algo baseado em hostilidades, ciúmes, possessividade e diferenças. Recebi dele a sábia recomendação de equilibrar antes de tudo as minhas prioridades – que se encontravam fora do eixo. Nunca conseguiria servir de tábua de salvação. Ambos seríamos tragados se insistíssemos naquele capricho.

Trocamos endereços – que o tempo tratou de extraviar. De tudo que São Tomé me proporcionou, levo comigo a eternidade das pedras e a certeza do amanhã.

                                                                                







segunda-feira, 15 de junho de 2009

Cheiro de mofo



Sou do tempo em que tive o primeiro contato com as letras sob a luz do candeeiro.

Mais tarde, amparado sob a chama de uma vela – Posteriormente, já beneficiado com a luz elétrica, dei vazão às minhas inspirações com mais serenidade. Se bem, que logo no início da concessão da eletricidade, sofria com interrupções recorrentes de pelo menos uma semana. Pois é... Quando ocorriam problemas técnicos, éramos esquecidos na distante e minúscula geografia da roça.

Sou do tempo em que, diariamente, ao deitar do sol, reunia-nos na casa dos meus avôs, onde uma família numerosa, incluindo primos e vizinhos em brincadeiras de roda, esconde-esconde, exercitávamos o prazer puro e inocente das brincadeiras infantis... Enfim, era divertido não ter compromissos.


 Pertenço à época em que era equivocadamente repreendido pela minha mãe ao me aproximar de um vizinho com sucessivas crises de epilepsia. Mais tarde, mais consciente e informado, percebi que a minha mãe não tinha usado de preconceitos, mas de carência de informação. Afinal, estava em questão os conceitos de uma mulher simples, desprovida de conhecimentos, embasada apenas em antigos e estreitos pareceres.

Sou do tempo em que contrariava as tarefas impostas pela minha mãe, para jogar pelada descalço - Esporadicamente, com bolas de meia, num campo da Várzea – Pasmem! Com um poste no centro.


Sou do tempo onde não me regia por um relógio de pulso, mas pelo relógio biológico. Era despertado diariamente para seguir por uma trilha de alguns quilômetros a caminho da escola. Aprendi a me disciplinar e a ter paciência.

Sou do tempo em que me apresentaram o Deus como culpa – Não vejo a tentativa de catequese, mas a necessidade cega de uma cultura católica – repleta de dogmas e rituais desnecessários. Era incoerente enxergá-lo sob um prisma tão superficial. É um contra-senso sublimá-lo como salvador e, em seguida, defini-lo como carrasco para o nosso direito legítimo de errar. Codifico na minha referência O PODER DO HOMEM, o livre arbítrio, a busca eterna das respostas – às vezes tão obscuras.

Sou do tempo onde acompanhei apreensivo o nascimento de dois dos meus irmãos por uma parteira, que se revelou uma grande professora, tanto para mim como para uma comunidade inteira.

Sou muito mais perguntas do que respostas...

Muito mais curiosidades que certezas...

Mais buscas que encontros...

Mais reticências que conclusões.


pegue a sua no TemplatesdaLua.com