Recluso e reservado ao silencioso cume de uma colina, tal um lobo solitário, vive um senhor no alto dos seus setenta anos: Altura mediana, cenho fechado, sobrancelhas arqueadas e disformes, olhos opacos – suponho que antes cristalinos, de um cinza aflitivo, resultado da catarata, desenho assimétrico das medidas cranianas, cabelos brancos e ralos. Pelos movimentos táteis e característicos, observo os passos cambaleantes de um deficiente visual.
Não sei o seu nome e nem o conheço de perto. Sei apenas que perdeu a mulher e filhos, que passa as tardes numa cadeira de balanço e tem como companheiros um pássaro numa gaiola velha e um cão vira-latas. Apesar da sua aparente indiferença, deixa que uma das suas mãos castigadas pelo tempo seja depositada na cabeça do animal. Arredio à socialização com os homens, dobra-se ao amor bruto e “irracional”.
As pessoas olham naturalmente e da mesma forma, não se concentram no objeto da mira. Ele, destituído do sentido visual, sente. Seja pelo tato ou pelas emoções, agora extremamente potencializadas.
As perspectivas dele são outras. A visualização pelos olhos encobre a sensibilidade da alma e impossibilita que outros olhares sejam ativados.
Largo-me na cama, espalho fotos e lembranças... Certa nostalgia enlaça minhas certezas. Traduzo a mensagem com a leitura perene: O sentido da vida consiste em olhar e ver verdadeiramente. Não atravessamos incólumes pela vida. Estamos expostos e suscetíveis ao crivo da natureza. De repente, de assombro, alguém adentra o recinto, invade meu espaço e pergunta: Você viu o dia lá fora?
Assim, a vida continua...
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