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segunda-feira, 29 de junho de 2009

Caminho das pedras


Em uma fase estranha, desvinculado, disperso, ausente, precisando de motivação, retomar o eixo que parecia se afastar.

Exatamente nessa época, fui apresentado à cidade mineira de São Tomé – Constatarão a minha alusão ao caminho das pedras.

Já a conhecia por boatos – intempestivamente ventilados.. Apologia às drogas – ilícitas e sancionáveis, pelo código civil.

Ervas estimulantes ou cogumelos? É possível.

Drogas sintéticas? Afasto completamente as possibilidades de manuseio pelos nativos. O mesmo não se refere aos turistas – Geralmente de hábitos nocivos à sintonia do povoado. Aprendi a olhar gente simples com outra perspectiva. Boa música e a alegria dos mochileiros.

Numa madrugada, aportei por lá...

Apreensivo, protegido por uma armadura como escudo para supostos ataques.

Acredito que em defesa de mim mesmo, tentava escapar das malhas da minha trama. Sempre travei uma imensa batalha para assimilar os acontecimentos sob uma ótica muito particular. Costumo enxergar as coisas através de prismas contrários aos que me cercam - Meu maior pecado foi colocar sempre uma lupa para enxergar coisas que são perfeitamente visíveis a olho nu.

Um grupo de playboys montados numa caminhonete buscava notícias de entorpecentes. Ao som daquele esmiuçar, me encolhi. Conhecia até que ponto o algoz poderia se infiltrar na fragilidade.

Prisioneiro e refém era do que menos precisava. Pleiteava por liberdade, caminhos livres de espinhos, queria apenas o simples. Encontrei as pedras.

Estive pela primeira vez por lá em 1997.

Depois disso, vieram sucessivas viagens – todas ricas no tocante a experiências saudáveis e amigos inesquecíveis.

Minha última passagem por lá foi em 2002.

Hospedado numa pousada simples, estruturada com apenas dois cômodos - Quarto com uma cama, uma cadeira que usei para apoiar minha sacola e um banheiro com o luxo de um chuveiro com água quente. Na bolsa, continha exatamente duas calças jeans, uma jaqueta de couro, algumas camisetas, um par de chinelos, cuecas, meias, uma toalha de banho, uma escova de dente, um desodorante, um perfume e uma máquina fotográfica - ainda sem câmera.

O material era ínfimo, mas o suficiente para cerca de vinte dias. Teria passado muito mais tempo com a mesma quantidade de roupas. Fiquei pensando no quanto exigimos desnecessariamente. Estava ali sem televisão, sem computador e... Feliz. Cheguei à conclusão que somos insatisfeitos por uma questão estritamente de vaidade, de egos, da submissão aos apelos sedutores do consumo.

Uma senhora humilde e dedicada – proprietária do imóvel se esmerava no asseio da casa. Mantinha aquele espaço – provisoriamente meu, em ordem.

Utilizava aquele domínio apenas nas voltas de longas caminhadas, compridas madrugadas, regadas a incontáveis cervejas, músicas, fogueiras, vinho, violão e muitas conversas interessantes e de conteúdo original.

Após acordar, as minhas paradas eram numa padaria – que mais parecia uma mercearia.

Diferentemente do estilo impresso nas grandes cidades, o comércio dali era de uma exclusividade absoluta. Crianças de pés descalços em disparada, produtos grosseiramente empilhados, falta de identidade com o marketing empregado nos grandes centros. Havia naquela vila de pedras muito mais que lendas de túneis que desembocavam em outras dimensões, estrelas cadentes que riscavam o céu num trânsito apressado, de pizzas servidas em pedras, arquétipos relativos a Ufologia, esportes radicais, estilos de vida alternativa, artesanato, rica gastronomia, o espetáculo da natureza em forma de cachoeiras, desenhos rochosos esculpidos pelo tempo. Existia naquele povoado a disposição de renascer. E foi o que fiz.

São Tomé resgatou o meu eu mais primitivo, desprovido de manobras, destituído de maldades, tão puro quanto aquele solo revestido de pedras. Enxerguei nas pedras o reflexo de humildes camponeses na extração das rochas para a arquitetura das residências.

Eu, Amante das cervejas, era presença garantida nos botecos, de onde foram revelados amigos genuínos e boas conversas.

Sempre atento e observador, notei que nos botecos onde frequentemente passava, sempre havia um senhor nos seus aparentes 50 anos, certa protuberância abdominal, cabelos grisalhos e desgrenhados, baixa estatura, sempre de copo na mão. Ao contrário de cervejas, preferia líquidos mais possantes como pinga com mel ou aguardente curtido no caju. Sempre disperso dos grupos, desconfiado, sisudo, econômico nas falas, enigmático, provavelmente um sábio.

Aproximamo-nos  e apresentamos nosso currículo. Tornamo-nos inseparáveis.

Tratava-se de um homem atraído pelas aventuras e pelas viagens. Casado, equilibrado, apaixonado pela esposa de quem muito falamos. Por motivos de trabalho, tiveram que programar suas agendas em separado. Estava hospedado numa pousada com maiores regalias que a minha, a começar pelas refeições – com direito a café da manhã, almoço e jantar. Disponibilizaram um guia turístico para lhe acompanhar pelas trilhas e lugares de difícil acesso – tratava-se de um garoto esperto, carismático e agradável. Embora, de discurso pronto e frases decoradas.

Eu estava com uma história inacabada em São Paulo com uma mulher recém-separada, ostensiva, inflexível e depositando expectativas na relação que para mim eram surreais. Era algo baseado em hostilidades, ciúmes, possessividade e diferenças. Recebi dele a sábia recomendação de equilibrar antes de tudo as minhas prioridades – que se encontravam fora do eixo. Nunca conseguiria servir de tábua de salvação. Ambos seríamos tragados se insistíssemos naquele capricho.

Trocamos endereços – que o tempo tratou de extraviar. De tudo que São Tomé me proporcionou, levo comigo a eternidade das pedras e a certeza do amanhã.

                                                                                







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