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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Surge a religião...


Não deveria penetrar num terreno tão perigoso e pessoal quanto a espiritualidade. Impossível dominar a curiosidade que também me consome. Acima de qualquer apreensão está o fascínio que a humanidade preconiza para alcançar o conhecimento presumido acerca de Deus e seus desígnios. Tive como formação uma doutrina católica fundamentada por meus pais, fiéis seguidores de uma imagem distorcida da que construí. Ao invés da figura ariana criada para acompanhar a barbárie de Hitler – tentativa estúpida de selecionar uma raça supostamente superior, a substituo por um descendente africano ou uma doce mulher. Nas minhas perspectivas Deus não possui face. Suas características fogem do portfólio dos feitos, dos padrões hermeticamente manipulados para confundir. Tem o poder de me usar em meu próprio benefício. Ensina-me como praticar o desprendimento dentre tantos apegos inúteis. Contrariando as preces formais, as formulo em diálogo puro e transparente. Creio absurdamente na linguagem coloquial, sem manejos ou manobras. Um dialeto simples, sem palavras, onde o silêncio e os pensamentos traduzam todas as angústias e inquietações. O contato acontece numa força que me circunda e não desgruda de mim. Ganhar dificuldades e obstáculos significam testes de superação. Interpreto essa presença poderosa que se ocupa de mim, em fenômenos ocasionais tão intrigantes quanto misteriosos. Refiro-me a milagres que jamais serão catalogados, os isolei por ainda não compreender os meandros do solo que piso, ou que sobrevoo. Arrisco-me a acrescentar: planando por territórios estrangeiros,  escavando domínios guardados por sentinelas protetores em esferas incompreensíveis.

Pesquisas relatam a prática de rituais religiosos entre os nossos primeiros ancestrais. Provavelmente os neandertais nos ensinaram a buscar respostas ao inexplicável. A morte reina absoluta como indício de todas as buscas (em epígrafe: vida após a morte).

Avaliando comportamentos extremos e ortodoxos concluo que além das seitas, fanatismo, sacrifícios do corpo, autoflagelamento, rituais africanos como o vodu, se apresente a incerteza atormentadora suprema que arrastamos: Eternidade. Como alento aos inúmeros questionamentos ergue-se o apocalipse e a culpa como ferramentas de controle. Criamos mecanismos de defesa para a nossa fragilidade. Resumindo, somos idiotas em busca de revelações para provar a nossa inimputabilidade. As punições são nossas. Escolhemos a pena e de que forma as cumpriremos.

Pais católicos embutiram em mim todos os rituais do catolicismo. Primeira comunhão, crisma, e hóstias consagradas. O corpo de cristo resumido em farinha de trigo e água é muito pouco para a dimensão do salvador. Não sou herege ou ateu, apenas acho amadorismo o uso de meras simbologias para exercer a fé. Talvez pela necessidade conclusiva do pragmatismo minha concepção do divino seja egoisticamente cravada no meu umbigo.   

Não tenho (mesmo) idéia do que serão feitos meus átomos. Talvez sejam macerados ou convertidos em minúsculas partículas e, uma vez pó, o vento fará o transporte para o encontro com o altíssimo. 

E  a vida segue... Sigo junto sem dar folga.     

                                                         

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Nem sempre


Vias de regra as coisas nunca se configuram com base nas nossas primeiras impressões ou princípios (em formação). Ao longo da nossa vida vamos adaptando nossos limites, expandindo nossos escrúpulos. Com exceção daqueles definidos como imutáveis, muitos outros serão flexionados. As verdades consideradas definitivas sofrerão abalos, as crenças (crianças) crescerão e conquistarão autonomia. Nem sempre sou bom ou razoável. Também exerço a maldade e a loucura. Às vezes sou intransigente, arrogante e insuportavelmente caprichoso. Embora saiba reconhecer que aquilo que via era uma farsa disfarçada de vaidade, uma fuga oculta na busca incessante de ser mentira. Nem sempre acordo de acordo com o bom humor e nem priorizando a vontade de agradar. Esse compromisso em ser agradável alcança muitas vezes a indiferença. Esses traços de vilania compõem até o mais próximo da santidade. Não me joguem na fogueira!

Mudar de opinião, rever conceitos, modificar antigas estruturas, reformar verdades que fatalmente se transformarão em mentiras significa renascer, trocar a pele, o pelo, o peso, as histórias. Quando me vejo repetido em tantos enganos, tantos arrependimentos frutos de atitudes amadoras, suspiro e continuo respirando. Consequentemente cometendo outros erros e rindo dos anteriores. As falhas nem sempre são fendas fechadas. As tais lacunas entreabertas possuem brechas para negociações: Dependem de nós.

Ouvi outro dia a inacreditável história de uma mãe obsessivamente ligada ao filho sexualmente. Não posso duvidar, já que me foi apresentado provas irrefutáveis. Fico imaginando a simplicidade das minhas fantasias, do quanto sou normal em contraponto às emoções que não conheço.  Como pai, não consigo sequer supor o toque no contexto íntimo do incesto. A dubiedade entre aversão, repulsa e desejos secretos não me credencia ao conforto da sentença. Eximo-me dos julgamentos, pois o meu conhecimento ínfimo dos méritos me desobriga ao júri da questão.

Nem sempre velhos de cabelos grisalhos significam cansaço, rugas e desgaste. Podem ser revertidos em charme. Revestidos de sabedoria e segurança. Estereótipos de qualquer natureza são perigosos, vistos que nem sempre se materializam. Correspondem apenas às manifestações arbitrárias e fomentam o fermento nocivo da difamação.

Busco-me tentando saber de mim. Suspense: ou estamos em diferentes estágios ou nem sempre sou eu.

                                                                 
                                                                   







quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Estratégia


Ando um pouco cansado do aparato estratégico para fugir do convencional. Tem horas que a disposição para repetir o trajeto da conquista desgasta até o mais impreterível atleta de alcova. O truque para camuflar o bico dos seios com um band-aid não funciona mais. A intumescência pode ser disfarçada e a vulgaridade do corpo que sente pode ser aliviada, ainda assim não poderá surpreender o equilíbrio. As unhas ornamentadas de pele mostram a fúria do ciúme, o desespero do poder relativo. Fui seduzido sim pelo manejo hipnótico do teu cigarro, pelas piruetas feiticeiras que quase me levaram ao transe. Deixei-me amolecer pelo passeio suave das tuas mãos pelas pernas e cotovelos. E os pelos dourados das tuas coxas? E o perfume que corroeu minhas lembranças? E o roçar da tua língua macia nos meus dentes? E a expressão intrigante dos teus olhos sobre meu corpo entregue aos minutos seguintes? E as carícias obscenas dos sussurros aos ouvidos? E todos os desejos inundados pela libido insaciável? O cérebro acionou como estratégia a proteção: Esqueci.

Com a sensibilidade em baixa perdi a rota já estabelecida. Não pude notar as diferenças incorporadas nos teus vaidosos cabelos. Recusei-me a dividir meu tempo tentando entender suas crises, discutir assuntos emperrados, encerrados, enterrados. Em momento egoísta meus espaços afunilaram, se tornaram estreitos e propícios à individualidade. Perdão pela paciência esgotada, por não encontrar nos teus artifícios ardilosos motivos para aderir ao refúgio dos teus subterfúgios. Antes de ser dissolvido na mistura heterogênea das nossas discrepâncias, sou absolvido graças a uma medida cautelar: Inocência.

Com licença... Por não concordar com teus estratagemas, estrategicamente me retiro.






quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Aparências


De passagem por Curitiba estive num local onde os jovens se reúnem para beber. Pela falta de criatividade inventaram a denominação balada para camuflar a avidez juvenil por farra etílica. A partir dos goles a mais a timidez assume a postura de ousadia, o introvertido transfigura-se em orador, o recatado se exibe impulsionado por energia nova, esquece a insegurança e, turbinado de novo combustível torna-se atraente, viril, conquistador e socialmente visto pela ótica da liderança. Essas nomenclaturas modistas surgem como vírus que se alastram e iludem os possíveis hospedeiros (nós em destaque).

Seguindo a onda, fiz tudo parecido. Era como eu tivesse assumido por um final de semana uma personagem a partir da primeira caneca de chope. Sentado à uma mesa central,  tinha um ângulo favorável para uma mania irrecuperável: observação.

À minha frente, destacava-se um casal aparentemente perfeito. Com eles, um par de filhos lindos. Uma família modelo que cabia perfeitamente num porta-retratos em qualquer ambiente. Eis que no decorrer do espetáculo surge um novo protagonista: um garoto ainda com hormônios apavorados, daqueles que qualquer faísca de perigo causa solavancos na adrenalina. O homem estava posicionado entre vários obstáculos que impediam sua visão global, não via o diálogo secreto entre sua mulher e o moleque atrevido. Mãos que se tocaram, bocas que balbuciaram sons incompreensíveis, um bilhete que certamente continha expressões delatoras do intrigante novelo. Absorto, acompanhava o desenrolar da trama (realmente interessante).

O homem, inteiramente concentrado no cuidado das crianças. A mulher, matreiramente se dedicava ao guri. Certamente haviam incongruências só conhecidas pelos envolvidos. Só as aparências não foram capazes de seduzir a minha confiança (Desconfio até de mim).

Pensei sobre a hipotética relação segura do casal. Pressupostamente a ligação estava calcada em bases firmes. Haveriam espaços abertos? (comunicação, insatisfações, lacunas a preencher). Minha resposta faz silêncio.

Fui embora quase congelado (Meu corpo reclama ao ser exposto aos graus negativos),  mas com a cabeça fumegando. Nunca consegui lidar com ostentações, fingimento, aparências... Acho jogo sujo e desnecessário. Não quero lançar a semente da discórdia, só quero alertar que a segurança pode se revelar em pura aparência.

                      



domingo, 6 de novembro de 2011

A medida do amor


É sempre incômodo me usar como referência, me expor a ponto de entregar minhas fraquezas e admitir minhas fragilidades (próprias de um aprendiz). Colocar-me como paradigma é mais que ousadia. É permitir refletores sobre mim, ainda que inibam a minha exibição – sempre minimalista.

Anos atrás, tive que acompanhar por quinze dias a internação do meu filho num hospital infantil. Todas as noites burlava a segurança e dormia no local. Embora contra as regras do local que não admitia acompanhantes em horário noturno, rompi as regras e rasguei o estatuto.  Por amor (agora sei) queria estar perto.

Numa sexta-feira à noite, trafegando pelo berçário, uma cena me chamou a atenção: uma jovem aparentado uns dezessete anos, embalava um recém-nascido e cantava como só as mães conseguem. Fiquei curioso pela idade de uma menina tão jovem se aventurar na maternidade. Embora aparência de ambos ser discrepante, percebia-se nitidamente uma relação nova.

Sedutor e exímio estudioso do comportamento humano, interpelei discretamente uma enfermeira que abriu o dossiê...

Tratava-se de uma garota de dezoito anos (não dezessete), incorporava à sua formação de psicopedagoga trabalhos voluntários esporádicos e, naquele momento tentava acalmar um bebê órfão, abandonado no lixo, sem nome e ainda com o cordão umbilical.

Fiquei imaginando a medida dos amores ridículos que cultuei e, (mesmo inconsciente, cultivo). Enquanto existem compromissos que selecionamos como inadiáveis, em pleno final de semana, alguém dedica seu tempo a um amor que não conhecia. Esse amor incondicional que tive acesso não possui dimensão, não cobra espaço para se expandir.

Eu que só conhecia o amor egoísta, baseado em satisfações ilusórias,  me afastei. Recolhi-me de imediato ao meu exílio egoísta, composto basicamente de apelos passionais. O sentimento calmo, sublime e exato destoava  (destoa) do meu histórico.

O amor definitivo definiu-se sob a forma mais simples. Estava próximo e querendo demonstrar seu tamanho indefinido e desacreditado.

Compreendi a sua essência e entendi porque é tão difícil estar disponível para aceitá-lo.

                                                                      





quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Teoria em teste


Antes de toda e qualquer projeção de sucesso, cautelosamente cogito o fracasso. Ainda assim, por mais preparado que me imagine, surpresas ainda ameaçam o meu suposto equilíbrio.  Uma coisa posso adiantar com segurança:  Nunca acontecerão com a mesma materialidade e concretude com que foram idealizados. Verdade indiscutível é que especificamente no meu caso tem funcionado. Há ainda o buraco mais fundo do que foi previsto. Não seria exagero considerar que tudo pode piorar. Ou, por ironia, não passar de ameaça. Todas as vezes que subestimei os problemas, por ironia eles ganharam novo tamanho, cresceram e avançaram sobre as minhas ingênuas conjecturas. Quando (mesmo em crucifixo), abstraí-me e esqueci do material com que fui criado, a solução foi imediata. Elucidei a equação, simplesmente dormindo.

Depois de turbulentos fracassos, de projetos falidos, de perdas “irreversíveis” novas medidas foram adotadas. Não ouso recomendá-las, pois não detenho a patente, nem o certificado de qualidade. Apesar da aparente dispersão, sou formado de foco, invoco todos os segundos por metas, por certezas que não posso sancionar. Em duelo feroz, desperto anjos querubins e demônios que outrora foram apostas se Deus. O sagrado convive nos meus parágrafos, vive em trânsito com meus dedos e os flancos dos meus hemisférios. O profano, pretensioso e sedutor passeia sobre as minhas propriedades, penetra aos pinotes com suas invenções e traiçoeiras intenções. Habita sorrateiro na vaidade dos prazeres efêmeros, na nudez perigosa implícita no arsenal de sedução: opulência de carne.

Já não sofro decepções como antes. Vejo-as. Sinto-as... Torno-as familiar ao meu convívio. Antes da colisão já me posicionei de forma a não ser surpreendido (de preferência com os pés fincados ao chão). Já não cobro dos céus o que não consigo explicar. Não vejo Deus como protótipo do homem que gostaria de ser e não sou. Quem sabe me conhecendo melhor, passe a entender das cruzes que carrego, dos espinhos que transporto nos braços, das pedras perdidas no caminho, da minha incompetência em me aproximar da perfeição. A minha contestação não é por rebeldia ou desafio ao que certamente supera o que procuro ser. Busco profundamente atingir a essência contrária ao que me tornei: um solitário rodeado de suficiências relativas.

Eu me basto é pura ilusão.