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terça-feira, 28 de julho de 2009

Deus aos pedaços - parte II

(Parafraseando Keyla Carvalho)...

Que criatura sacrificaria o seu domingo de folga para presenciar o banho de sol de um detento? Penetraria no esgotado sistema penitenciário, na busca de elementos que justificassem o sentido da liberdade?


 Que ser humano renunciaria os detalhes cotidianos para acompanhar uma amiga em visita a um companheiro detido e encarcerado há um ano? Que sensibilidade tentaria compreender o outro, sem os julgamentos preconcebidos e sem os crucifixos adiantados da sentença?

Existe, como diz ela, uma plateia da perfeição. A hipocrisia é certamente a “virtude” às avessas do comportamento humano. Quando a justiça ajuíza imputáveis os delitos de alguém, não está implícita a visita ao sistema prisional. Apenas determina que certa sanção seja cumprida. Em detrimento de fatores alheios e subjetivos à aplicação da pena.

Ninguém como ela, presenciou a densidade prisional – que exige uma fila externa às celas, ignorando o sol a pino ou as chuvas, sejam elas brandas ou torrenciais. Constatou de perto o código de ética impresso atrás das grades, que comporta entre os enclausurados, o respeito às mulheres, NUNCA MIRÁ-LAS DE FRENTE.

Não estou questionando o rigor da lei, nem tampouco caracterizando como lisura os atos infracionais. Não quero compactuar das polêmicas, nem me cabem os exageros da verdade absoluta – ainda mais quando não conheço nem a mim mesmo. Contudo, é preciso tentar entender as complexidades da mente humana. Um bom começo é ter o desprendimento que teve minha amiga Keyla. 

Para compreensão da liberdade é preciso submeter-se à asfixia do confinamento. É presenciar um filho conclamar um réu de herói (como fazem os filhos dos presidiários, independente do crime que cometeram). 

Essa é a Keyla a quem observo cautelosamente. A quem dedico a minha ousadia de desafiar as perguntas. Estou convencido que a luz do Israel terá igual e intenso alcance ao da sua proposta.

Obrigado por tudo.

                                                                    

     

     



     

     





sexta-feira, 24 de julho de 2009

Deus aos pedaços - parte I




Tive uma conversa curiosa com a minha amiga Keyla – morena de olhos negros e espertos, beleza clássica, sorriso perfeito e contagiante, uma mulher suave.

Mesmo pela frieza das teclas e da parede da tela, interagimos e descobrimos partes do Deus que habita  em nós.

Costumo brincar que o Henrique estaria ameaçado se não a tivesse levado ao altar. Contrário ao convencional, nosso encontro nunca envolveu cenas tórridas ou beijos lascivos. Sempre foi uma sociedade pautada na admiração, no respeito e na originalidade de novos conceitos.

Confesso que me surpreendi com os comentários sensivelmente lançados por ela...

Participou por quarenta e cinco dias ininterruptos, todas as manhãs, de visitas a uma pessoa bem próxima, num hospital psiquiátrico. O que me impressionou no relato foi a descrição ricamente elaborada.


Os detalhes observados às minúcias. Incluindo inclusive, uma fileira de formigas, infiltradas na sua lembrança, enquanto conversavam num banquinho, sob a sombra de uma árvore.

À época, como parte do grupo que administrava entre os negócios, o Hospital psiquiátrico, gozava de algumas regalias: Visitas em horários extraordinários, condução de alimentos sem restrição ao paciente... Ao contrário do que as regras a beneficiavam, preferia o tratamento dispensado a todos – sem exceção.

Comumente ouvia comentários estúpidos: Tenho medo desse lugar.

Ela ponderava e pensava:  - Deveria ter medo do que se transformou.

Ao chegar à Unidade, se dirigia à recepção e aguardava atenta chegar a sua vez. 

Uma moça vociferava ao microfone:

Paciente “x”, sua mãe na visita. Ou Paciente “x”, seu irmão na visita.

Essa é a rotina de quem acompanha de perto os fragilizados.

Em nenhum momento, ela ouviu o som de "AMIGO" à espera.

Essa revelação se abateu sobre as minhas concepções. Não questiono a conduta de quem anda próximo. Questiono, sobretudo a minha ação. Até que ponto o meu desprendimento e generosidade consistem em olhar o outro. Nesses pequenos detalhes é que o eixo da nossa relação se estabelece.

Keyla, não se afaste! preciso de você.

                                                       

     

     



     

     




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Império dos sentidos




Recluso e reservado ao silencioso cume de uma colina, tal um lobo solitário, vive um senhor no alto dos seus setenta anos: Altura mediana, cenho fechado, sobrancelhas arqueadas e disformes, olhos opacos – suponho que antes cristalinos, de um cinza aflitivo, resultado da catarata, desenho assimétrico das medidas cranianas, cabelos brancos e ralos. Pelos movimentos táteis e característicos, observo os passos cambaleantes de um deficiente visual.

Aquele olhar translúcido me inquieta e atinge os meus olhos que cobiçam direções tão passageiras e inúteis. Uma pergunta me sacode: Por que meus olhares são tão cegos?

Não sei o seu nome e nem o conheço de perto. Sei apenas que perdeu a mulher e filhos, que passa as tardes numa cadeira de balanço e tem como companheiros um pássaro numa gaiola velha e um cão vira-latas. Apesar da sua aparente indiferença, deixa que uma das suas mãos castigadas pelo tempo seja depositada na cabeça do animal. Arredio à socialização com os homens, dobra-se ao amor bruto e “irracional”.

Aquela cena me atinge e as lágrimas ameaçam escorregar e desafiar meu equilíbrio são controladas. Sinto nascer o ímpeto urgente de puxar uma cadeira e entender como são concebidas suas sensações. Após desatinada reflexão, concluí que aquela relação desarmada era mais que um amor incondicional, transcendia a prescrição da lealdade e da confiança. Configurava-se, sobretudo num pacto sem arranhões.

As pessoas olham naturalmente e da mesma forma, não se concentram no objeto da mira. Ele, destituído do sentido visual, sente. Seja pelo tato ou pelas emoções, agora extremamente potencializadas.

As perspectivas dele são outras. A visualização pelos olhos encobre a sensibilidade da alma e impossibilita que outros olhares sejam ativados.

Largo-me na cama, espalho fotos e lembranças... Certa nostalgia enlaça minhas certezas. Traduzo a mensagem com a leitura perene: O sentido da vida consiste em olhar e ver verdadeiramente. Não atravessamos incólumes pela vida. Estamos expostos e suscetíveis ao crivo da natureza. De repente, de assombro, alguém adentra o recinto, invade meu espaço e pergunta: Você viu o dia lá fora?

Assim, a vida continua...

                                                         

     

     



     

     




























quinta-feira, 16 de julho de 2009

O silêncio


Ouço gritos vindos de muitas direções e sigo calado, experimentando o sabor do vazio.

Inflexões do passado irrompem a dura casca da saudade. Estou sem palavras... Os ecos são vigorosos e cobram retornos.

Pela janela, observo o movimento do vento contra as folhas das árvores numa dança esquisita. O frio congela tudo que se move no exterior da minha pousada. O Silêncio é quebrado pela insistência do ar que transita sem culpa entre os obstáculos naturais.

Declino dois lances de escada e atinjo a rua. O cenário é fantasmagórico. A sombra e as pinceladas de cinza povoam o quadro. Uma atmosfera enevoada, quase triste, habita naquele delírio.

Uma neblina insistente irrita e molha minhas roupas. Ao longe, ouço o toque furtivo de buzinas ensandecidas e o som uníssono da garganta de um galo que ensaia sua ária.

Ao meu lado, soa despudorado um telefone público que ignora as horas avançadas e a inconveniência da proposta.

Avisto naquele espaço ermo, solitário, um vulto errante em desenfreada procura... Descubro tratar-se de um bêbado andarilho a garimpar detritos junto ao meio-fio, buscando bitucas de cigarro. Maldito vício! Maldita vida mendiga! Maldito silêncio.

Após os haustos da minha “loucura”, submeto-me ao concreto do sono reparador.

Ainda assim, o silêncio permanece.

                                                                           
                                  

     

     



     


quinta-feira, 9 de julho de 2009

Por um fio


Atravessando um estágio delicado, onde caminhava a passos cuidadosos na beirada de um precipício, mergulhei sem cuidado na honestidade do autor. Também estive perfilado ao paredão de pacientes terminais retratados por Dráuzio Varella. Como ele, alterei a percepção ao que me rodeia. Todos os meus antigos filtros esgarçaram-se. Olhares que se concentravam em partes, cobravam a visão de um todo. Aquele estereótipo que todos sustentam da auto-suficiência são dispensáveis. Não há espaço para a vaidade  e minúcias narcisistas, quando verdairamente vivemos sob comandos.  De todos os depoimentos colhidos, alguns milagrosamente sobreviveram. Outros, cederam ao iminente desfecho, à derradeira oportunidade de remissão.


Esses dias, do silencio do meu quarto, ouvi um diálogo comovente entre os meus pais no quarto ao lado: Casados há mais de trinta anos, ainda mantêm acesa a chama da cumplicidade e dos fatores que realmente importam. Da cama que abrigou as intensas coreografias dos corpos entrelaçados, restaram os escrúpulos da simplicidade, a troca generosa do amor imortal. Compreendi em sua profundidade o amor que não alcançava – e que talvez seja inacessível às minhas expectativas. Comecei a prestar atenção ao que não queria ver.

Compreendi entre outras coisas, os conflitos instalados nas relações e suas causas: Duas delas são absolutas: Sexo e dinheiro.

Lá fora, o sol espreguiçava-se todas as manhãs, de braços abertos repetia os movimentos paulatinos e rotativos. Dentro de mim, sentia vergonha das minhas pobres prioridades. Enquanto me ocupava de interesses egoístas, alguns sentenciados à morte, revertiam a angústia e o desespero em fé e esperança.

Comumente nossos sentidos de solidariedade e compreensão só são autenticamente identificados quando estamos ameaçados, cerceados, às vésperas do faticídio. Quando Dráuzio observou os detalhes além da medicina, se inseriu na história do outro e, novamente, se tornou brilhante nas suas considerações.

Ao término do livro, sucedeu-me as interrogações:

Por um fio de nylon?
Por um fio de navalha?
Por um fio de algodão?

Um dia saberemos a revelação de tão tênue colocação.

Compartilho com vocês:


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quinta-feira, 2 de julho de 2009

Chão de estrelas




Jaz na calçada da fama a estrela solitária. Sobre a matéria sobrevoa uma revoada de abutres – inebriados pelo cheiro do vil poder. No chão de estrelas são absorvidos fragmentos do astro incandescente e agora desfocado. O pequeno Michael foi vítima da sua genialidade.

O mitológico anjo negro sucumbiu ante o desejo de ser imortal. Não soube administrar a transição para o universo adulto. Foi sufocado pelos interesses egoístas e manipuladores.

Quando pequeno, foi coagido, tolhido, intimidado por um pai repressor e ditador. Não demonstrou um apetite voraz por uma coleção de carros importados, mas por um rancho decorado com um parque de diversões e pela fábula do Peter Pan.


À revelia dos escândalos de pedofilia e insatisfações com o seu retrato, não constam no seu prontuário vídeos ou provas irrefutáveis dos supostos delitos. Ainda as evidências se fortifiquem, o mito está eternizado.

Michael Jackson não foi vitimado por alguma conspiração, como opinaram alguns...

Simplesmente morreu na tentativa desesperada de nascer de novo. Só dessa maneira (supostamente) ele poderia voltar a ser criança.