De uma velha senhora que driblava o frio da rua e
os perigos de moleques larápios que ameaçavam surrupiar seus
pertences se amarrando com sacos plásticos. Esse improviso
dificultava qualquer infrator de se aproximar e de tocar nos seus
valores, sem serem denunciados através do barulho. Aquela espécie
de alarme plástico, criativamente adotada por ela era mais que um
artifício de segurança. Representava sobretudo, sobrevivência.
Costumava frequentar uma esquina das ruas
importantes de São Paulo. Voltando do trabalho fui despertado por um
radinho de pilhas com um som destoante do silêncio dispensado no
avançado das horas. Cautelosamente e curiosamente me aproximei... A partir de palavras engraçadas e leves, desenvolvemos um vínculo indestrutível.
Aos poucos, construímos uma relação de
confiança. Notei traços de uma bonita senhora no passado. A respiração ofegante e algumas marcas na pele indicava uma possível
saúde debilitada. Apesar de não abordarmos aspectos pessoais de
intimidades, envolvendo família, o pacto entre nós foi se tornando
cada vez mais firme. Talvez por medo de que ela repentinamente se
afastasse, respeitei o espaço delimitado nas entrelinhas da estranha simetria.
Um dia, surpreso, não mais ouvi o som do rádio tão familiar. Meu olhar circulou todas as direções em busca de resgatar o motivo da minha alegria diária. Aqueles encontros, mesmo que breves, me faziam melhor. Inexplicavelmente maior. Flagrei-a no outro lado da rua, subindo num ônibus, transportando nos ombros seus cacarecos e seu invento de plástico. E pensar que naquele invólucro, carregava sua vida. Como somos tolos! Sempre angariando títulos, que nos atribua poder, ambicionando materialidades desnecessárias! Encerrava-se ali nossa ligação. Um certo vazio se abateu sobre mim. Acabara de sofrer uma perda. Ficara órfão, mas certamente, nunca mais me sentiria sozinho.
Nunca mais a vi.
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