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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Promessas


Do pacto de amor firmado às derrapadas imperdoáveis das violações.

Os livros que fiquei de ler, as viagens que não fiz, os vínculos que devo estabelecer, as habilidades que preciso aperfeiçoar, os equívocos que buscarei reparação.

O tédio das repetições, as armadilhas da venda que tapa os olhos, as mentiras e omissões, as ilusórias obediências. Confissões, conveniências, influências.

O sangue escoado das promessas não cumpridas, as palavras gastas pela raiva, o fogo das munições disparado no ponto vulnerável das fragilidades.

Os juramentos na corda bamba, contorcendo-se para se ajustarem à verdade. Àquelas prioridades organizadas numa agenda agrupam-se à esperteza dos desejos afoitos. Fatalmente, os apelos instantâneos serão atendidos sem atraso.

O barco ancorado no cais de todas as esperas, está presa apenas por uma corda frágil, que a qualquer momento poderá ser rompida.

Baixam-se as armas, erguem-se outras defesas, novos escudos. Diminui o fôlego, nasce o silêncio. 

E ano a ano as promessas continuam...

                                                              
                                  

     

     



     

     




                                                            

domingo, 28 de dezembro de 2014

O poder da renúncia


As oportunidades podem ser representadas como uma linha reta, com limite de velocidade e regras de ultrapassagem. De tão longas não permitem a visão do ponto de chegada. Tornam-se enfadonhas e entediantes para os resultados imediatos. Tudo aquilo que envolve espera e paciência, vemos com com certa resistência. O tempo de maturação é geralmente incompatível com as impetuosidades da pressa. 

 Tendemos a aderir aos desvios. No primeiro retorno dispõem-se alternativas que sugerem um trajeto mais divertido, mais lucrativo, menos austero e mais rápido. A simples ideia de transgredir já alimenta a fome do alcance. As sinuosidades e surpresas da estrada se aproximam do espírito de aventura. Nenhuma oportunidade condicionada ao longo prazo merece melhor avaliação por uma sociedade imediatista. Nada melhor que os atalhos para atenuar as supostas delongas.  

O assédio de novas possibilidades se projeta com argumentos suficientes para a mudança de rota. Dizer sim, nem sempre é avançar. Discordar, nem sempre é regredir.

                                                                        

     

     


quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Imóvel


Envolvido naquele abraço prolongado, onde o calor e o abrigo procuravam encaixe. Estendemos aquele instante como se a apresentação fosse o início da despedida. Olhos fechados, vasos dilatados. Pernas paralisadas, a paixão se exibindo. De fundo, só o barulho das esquinas, o ruído das buzinas e a conspiração dos ecos constrangedores do silêncio. Algo acontecia dentro de nós.

Os longos cabelos encaracolados, os olhos castanhos enigmáticos, o corpo perfeito para a medida dos meus braços. Abraçada a um violão, falou a multidão do amor sufocado, dos furtivos momentos da paixão exagerada. Encantou com seus acordes o entusiasmo dos meus ouvidos.

A cortina de poeira começou a assentar quando surgiu a presença de alguém que já ocupava o espaço que pleiteava. O Amor inesperado revelou-se proibido à medida que outro personagem já encabeçava a função de protagonista. Aquele abraço eternizado no sonho, tornou-se clandestino quando descobri que estava patenteado.

Em carne viva, vi minhas ilusões sangrando sob a visão de um amor impossível. Atravessar e me entranhar num espaço em branco poderia representar apenas um capricho. Seria estupidez fomentar uma disputa baseada apenas nas minhas extravagâncias.

Vagueando em mim, encontrei a propensão de amar o que não tinha, de ambicionar a excelência que não me pertencia. O que me excitava era embaralhar o jogo, me infiltrar como elemento novo, quebrar o tédio que transformaram em bagaço.

Tenho adormecido protegido ao sabor daquele abraço.

                                                   

     


terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Nunca esqueci...


De uma velha senhora que driblava o frio da rua e os perigos de moleques larápios que ameaçavam surrupiar seus pertences se amarrando com sacos plásticos. Esse improviso dificultava qualquer infrator de se aproximar e de tocar nos seus valores, sem serem denunciados através do barulho. Aquela espécie de alarme plástico, criativamente adotada por ela era mais que um artifício de segurança. Representava sobretudo, sobrevivência.

Costumava frequentar uma esquina das ruas importantes de São Paulo. Voltando do trabalho fui despertado por um radinho de pilhas com um som destoante do silêncio dispensado no avançado das horas. Cautelosamente e curiosamente me aproximei... A partir de palavras engraçadas e leves, desenvolvemos um vínculo indestrutível.

Aos poucos, construímos uma relação de confiança. Notei traços de uma bonita senhora no passado. A respiração ofegante e algumas marcas na pele indicava uma possível saúde debilitada. Apesar de não abordarmos aspectos pessoais de intimidades, envolvendo família, o pacto entre nós foi se tornando cada vez mais firme. Talvez por medo de que ela repentinamente se afastasse, respeitei o espaço delimitado nas entrelinhas da estranha simetria.

Um dia, surpreso, não mais ouvi o som do rádio tão familiar. Meu olhar circulou todas as direções em busca de resgatar o motivo da minha alegria diária. Aqueles encontros, mesmo que breves, me faziam melhor. Inexplicavelmente maior. Flagrei-a no outro lado da rua, subindo num ônibus, transportando nos ombros seus cacarecos e seu invento de plástico. E pensar que naquele invólucro, carregava sua vida. Como somos tolos! Sempre angariando títulos, que nos atribua poder, ambicionando materialidades desnecessárias! Encerrava-se ali nossa ligação. Um certo vazio se abateu sobre mim. Acabara de sofrer uma perda. Ficara órfão, mas certamente, nunca mais me sentiria sozinho.

Nunca mais a vi.