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terça-feira, 7 de agosto de 2012

Preço do passado


Idas e vindas, encontros e despedidas. O amor que não tive ou provavelmente não enxerguei. Ocupei-me demais na busca da perfeição inalcançável. Esqueci-me que fui feito com a possibilidade dos equívocos, com outras alternativas além do que não conheço em mim. Por um momento fui ludibriado pelo que a curvatura dos teus lábios deixaram escorregar. Um cérebro puro deixou-se manipular contagiando cada minúscula célula só para compreender como o amor se move. Por um fio não fomos tragados pelo passado implacável e quase matamos o presente que se arrasta conosco. Descobri  espaços em nós que só o tempo poderá ocupar. Ando ferido demais para apostar em aventuras, cansei de equilibrar meus desejos num pires. Preciso de volume, busco profundidade.

Aqueles beijos roubados desordenadamente na volúpia felina foram necessários à percepção do quanto estamos condicionados às reações físicas. Nesse terminal de dados repetidos faltava a comunicação dos abraços. Faltava esticar os braços na direção dos campos floridos como um rio entregando a tocha para  a imensidão do oceano, Faltava despirmo-nos de sonhos antigos e  adormecer ao som da eternidade dos amantes. Sem perceber, em ti tropeçava. O passado irônico tentou pousar a vergonha do fracasso nos meus ombros. Sonhos maiores bloquearam a inflação. Se o passado apresenta um preço, o futuro garante o recomeço.

A cama antiga e desengonçada no contratempo do prazer cego, que um dia comportou o imediato dos fluídos naturais, ganhou contornos sensoriais verificados no toque do hoje. Quero a luz que penetra a fachada das nuvens, a coragem e desembaraço dos lírios que enroscam-se nos troncos. Quero exterminar os insetos exuberantes que sobrevoam meu sono. Quero colocar alma e emoção nesse boneco curvado sobre uma alegria forjada. Quero ocupar espaços, apresentar meu tamanho.

Adormeço com o sono a pedir mais sonhos. Posso até sonhar, desde que outro sonho. 


     


sábado, 28 de julho de 2012

A cruz e a espada


Por um tapete alvo de areia sigo sozinho por opção. Flagrei-me depois de solteiro excessivamente inconstante e introspectivo para ser compreendido com a leveza que acredito e busco. Persigo a passos solitários eternas lembranças de oásis e abismos. O sol que incandesce as nuvens emaranhadas e frias como gravuras de gelo, queima aos poucos minha sombra. Deixo-me dobrar, agacho-me sobre a tela imaginária de areia e rabisco trechos da história que não foi minha, foi nossa. O vento varre calçadas, ilusões, conchas e gaivotas. Lá do alto, sopra os embaraços das ondas, espalha a espuma das bocas famintas (fusão ofegante de sílabas e salivas), dos sonhos escritos em cada grão, de cada palmo do meu vulto silencioso. Assobia nas minhas orelhas o canto suave do silêncio. Em cada promessa um fracasso. Em cada palavra um dicionário a interpretar, um segredo entocado na vastidão dos teus olhos. Nos cabelos esvoaçantes enlaçam-se fios de alegria e alguns laços abstratos de fita azul (como as imagens criadas e imaginadas). Em cada investida uma renúncia. Em cada conquista uma pausa. Estou estático, tentando manter em equilíbrio os pensamentos que rodopiam.

Corro em disparada no solo arenoso como se me evadisse em fuga, como se pudesse ir de encontro a mim. À frente um deserto longínquo de tédio. Bateu-me a preguiça de tentar de novo. O horizonte é possível para todos, mas definitivamente não me atrai essa aposta. Conheço à exaustão as manobras da sedução. Abstraio-me dessas dores masoquistas. Até participei com entusiasmo inicial de jogos que se mostrariam inúteis, insuficientes. Queria apenas descobrir-me simples, tocar o céu com os dedos como se dedilhasse a textura das sensações. Queria a certeza das coisas verdadeiras, a fé do tangível, o  reencontro (pelo menos comigo). Quero por inteiro a cruz que me salva e a espada que preciso.

Tento lembrar da felicidade ausente, nunca sentida, nunca permitida, dos sonhos discutidos na razão inocente, dos sorrisos insossos transplantados dos enganos, dos tratados contraditórios. Convenço-me finalmente da inabilidade para fazer alguém feliz. Sou intenso demais para querer tão pouco. Por algum tempo mantive a possibilidade de desejar companhia, mas passou.  Não estou triste e nem tampouco derrotado. Ao contrário, uma segurança e autossuficiência me sustentam  e me estimulam a acreditar. Estou apenas contrariado por compreender o rompimento necessário do que poderia ter sido.

Deixo os sonhos para os que dormem. Os meus, que sejam acordados, espertos e reais.

                     

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Crise de memórias


E de repente um perfume impregna o ar e as lembranças. Passeia descomprometido diante do olfato. Entranha o fôlego e confunde-se com o oxigênio que banha a barba e o travesseiro. As mãos macias e delicadas deslizam com a certeza do que buscam alcançar. Suavemente mostram suas garras.

Os seios perfeitos insistem em não ficar de bicos calados. Insolentes desafiam a lei da gravidade e não se deixam abater. Falam com a linguagem da pele e exploram cada centímetro do corpo entregue. Petulantes, altivos, senhores de si, eretos. Fazem sulcos no peito submisso. Abrem trilhas nos arrepios, se encaixam na medida exata dos pecados de sentir, apalpar, de quase possuir com as mãos.

Desenha a ousadia de um número oito num trote inexplicável. Com a voz embargada, entrecortada pela lascívia dos desejos camuflados entre as rochas do recato, pronuncia em gestos pequenos a grande voracidade  de querer.

Mãos de desejos tateiam na madrugada as mesmas fantasias. Impõe resoluta e absoluta sua prece em forma de beijos. Parte ao meio supostas verdades, esmigalha em pedacinhos a compulsão entediante da repetição. Faz-se outra,  renasce sedutora numa manhã despenteada.   

Olhos expressivos ardem na despedida. Afastam-se com medo de partir, de não mais existirem. Transbordam em impotência, perdem-se no vácuo da distância, escurecem, petrificam, interrompem-se no sutil intervalo de um piscar de incerteza.

Umidade que afoga, língua quente que derrete a censura, invade com toques matreiros e macios os pés embaixo do cobertor. Vasculha sem pudor as encruzilhadas das virilhas, morde o ar que falta, suspira a paixão que sobra, mastiga as fantasias, acorda a libido, arrasta deliciosamente gotas e líquidos do pote prestes a explodir.

Atinge à queima roupa os esforços dobrados para não se curvarem à monotonia. Silencia com carícias e abraços longos o tempo que, falsamente sem graça, se prolonga nas curvas intrigantes daqueles instantes.

 Deixo-me dominar finalmente pelas memórias teimosas que durarão uma eternidade.


segunda-feira, 26 de março de 2012

Por defesa


Todos (indiscriminadamente) se protegem em roupas emprestadas ou faces imaginadas perfeitas. Tudo por receio de expor algumas debilidades disfarçáveis e indefensáveis. Deparei-me dias atrás com um jovem olhando atentamente para o chão. Parecia absorto e enfeitiçado com algo aos seus pés. A passos curtos e lentos simplesmente girava. Poderia imaginar um louco em crise. Diferente disso fiquei imaginando o que aquela extravagante coreografia significava. Louco seria eu se deixasse de considerar que atrás daquele aparente disparate haviam milhões de pensamentos furiosos. O que o levaria a andar  em círculos como se pudesse alcançar no chão respostas para suas angústias? Que atenuante se encerrava naquele ritual excêntrico? Minha curiosidade estava desgarrada dos julgamentos. O que menos interessava para mim era a estética, como se vestia, seus hábitos diários. Queria sobretudo encontrar na sua "loucura" algum ponto de convergência comigo. Sempre observei no ser humano a nascente criadora de toda a originalidade que me fascina. Obviamente não enxerguei aquele rapaz numa esteira, praticando exercícios para voltar à forma. Nitidamente havia um cara perturbado. No mínimo surpreso por estar fora da zona de conforto. Compreendi metaforicamente que quando perdemos a capa maternal fica difícil administrar nossa fragilidade. Espaços vulneráveis ameaçam profundamente nossa condição de vivos. Fiquei imaginando portas que hesitei atravessar, situações de dor e embaraços que enfraqueceram minha ousadia de ver. Deveríamos olhar ao nosso redor com a intensidade de quem sugere interesse. Muito acima dos nossos interesses pode haver cenários fantásticos que por defesa, ignoramos.

Vejo assim, ou pelo menos procuro.

                                                     


domingo, 26 de fevereiro de 2012

O amor à espreita


Certamente será repentinamente surpreendida por uma astuta raposa que avançará sobre teus hábitos e te enlaçará em volta do pescoço uma pele diferente da sua. Esquecerá por uma vida que a vida que vivia era uma imposição e não uma escolha. Será ridícula vez em quando com contos de fada à bordo de um bote furado, com bilhetes açucarados, melados com apelidos caricatos. Esquecerá de si mesma e até das leis dos adultos, resumidas em não andar descalço (exceto para ser mais ágil). Não tomar chuva (exceto para ter companhia embaixo de um guarda-chuvas). Não ficar exposto ao sol do meio-dia (exceto para perder a hora sonhando). Não apoiar os cotovelos na mesa (exceto por admiração).  Não falar alto (exceto para fazer ecoar aos quatro cantos o amor que desconhecia e que inconscientemente evitava). Não falar com estranhos (exceto para aproximar-se da intimidade e tocar na privacidade). Deixar-se exposto na vontade de entregar-se.

 Dar-se-á conta que inadvertidamente ofereceu teu pescocinho imaculado para um desses vampiros prestes a abocanhar tua jugular. Junto com o sangue irá sugar sua fé, sua identidade, seu tempo, seu espaço, sua história. Bastará um breve toque na nuca para que se derreta feito manteiga, meia dúzia de  promessas embrulhadas em “verdades” por interesse, enfeitadas com laços trapaceiros. Sinto muito, descobrirá o verdadeiro sentido de estar em maus lençóis.

Surpresa, boquiaberta, despertará para olhares intensos, incompreensíveis, descarados. Atônita, verá belos e inesquecíveis sonhos em pesadelos. Participará atenta de narrações que não te incluem. Fará o possível para aparecer como destaque. Será a todo custo o gancho que faltava para um desfecho feliz. Desempenhará a mais perfeita das companheiras até perceber que o amor que alimentara era apenas uma chama que se apagaria com um simples espasmo de decisão: Não é suficiente.

Ouvirá sons de sinos por toda parte. Mudará a percepção das cores, dos defeitos, dos enfeites, das luzes, desse e de outros amores.

                                                           

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Recanto dos sonhos


Plantada entre o barulho ensurdecedor de crianças empinando pipas e de pés descalços violentando uma bola já furada, rasgada por unhas maltratadas, bolas de gude que cruzam as valas numa disputa acirrada pelos buracos, está uma casa amarela, pequena, camuflada entre o aconchego e o início da partida. Protegida por um grande portão de madeira, circundada por uma escada de cimento, onde dois garotos sentados nos desfiladeiros dos seus planos viajam livres por esconderijos escondidos na trama do futuro. Abraçados aos joelhos, vêem os últimos suspiros do sol e os degraus presos aos seus pés, encobertos pelo pó levantado nas ruas de terra solta, de histórias mofadas entre as paredes de outras casas amarelas.

Éramos a definição exata dos excessos: barulho ao mascar chiclete e chupar sorvete, acúmulo de brincadeiras sem graça,  gargalhadas sem motivo, projetos degolados ainda no berçário, paixões por absurdos platônicos, banhos exagerados em curtos intervalos, receio de serem legítimos os comentários acerca de práticas exaustivas na descoberta do corpo levar ao crescimento de pelos nas mãos, grandes olheiras escavadas no confronto com o sono. Intempestividade do imediato, rebeldia por espaços a qualquer custo, peito de aço, sonhos ilustrados nos quadrinhos, conjugações no aumentativo das dores, das paixões, das inseguranças, da fragilidade verificada no tamanho do pé.

Diante dos nossos olhos, serpenteavam meninas sugerindo denúncias de mulher no arredondamento das formas e bicos dos seios agressivos, proeminentes e pontiagudos, rompendo as fantasias dos adolescentes inflamados pelos insultos da natureza. Exibindo e exalando seus desejos em forma de jogos e malícia que nem mesmo conheciam. O gênero feminino já carrega consigo desde a concepção armas biológicas de sedução. Comportam os genes hereditários da intuição. Algumas têm cacoetes de moldar cachos nos cabelos, outras deslizam ao andar, gingam seus quadris entranhando o ar com um cheiro de vício, de viço. Espalham no ar feromônios. Passeiam em bandos com vizinhas fingindo vergonha, sussurrando segredos inconfessáveis (abafados por mãos em concha), Guiadas como flechas certeiras arremessadas por arqueiros eficientes, plenamente conscientes do alvo escolhido.

Parte do que fui ficou armazenado lá atrás, onde agora os sonhos parecem ganhar sentido.

                                                          









quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Sem fôlego


Duas bolas de fogo se derretem em chamas, cospem fagulhas e palavras com cheiro de cinzas. Verbos incandescentes e indecentes enfeitam os suspiros quentes, fazendo bolhas e estourando o tesão sem escrúpulos, que escorrega pelos becos sinuosos da intimidade até a contenção das ilusões de felicidade ao despertar. Numa ternura cínica arrebata-me pelos ombros, atira-me contra a timidez que me esconde, arranca com fúria os segredos debaixo do meu espaço reservado, atiça com seus atributos meus miolos, roça sedutora com os lábios os fios primatas da minha barba por fazer, arrebenta botões e zíperes com a pressa de quem não vê a hora do prazer explodir, faz ferver com seus compartimentos vulcões, tufões e jatos de lavas. Entre sucção e cavalgadas mergulho nas entranhas da tua carne dourada preparada para um banquete. Carícias e fricções de dois corpos entregues às fantasias de adormecer engatados. De morrer juntos, atados, ilhados... Da respiração ofegante à recomposição dos pulmões. Transito entre a brisa que nos refresca na madrugada e o sabor entre as tuas coxas.

O calor faz voar os lençóis e peças próximas da pele - vítimas constantes do pudor hipócrita que nos envolve. Sem sentir que os pés descalços ainda queimavam no desembarque ao tapete, sem nos importar com as asas chamuscadas no decolar da nossa fuga infantil esquecemos que a vida pulsava lá fora, que além dos nossos desejos existiam outros estágios, outras emoções fora de nós.

Confesso...

Desarmaria um exército de milicianos só para segurar teus quadris outra vez. Renunciaria ao apetite voraz do meu ego só para te perdoar de novo. Rejeitaria os apelos dos teus sussurros só para ouvi-la de verdade. Recusaria seus pedidos fora de hora só para me sentir importante nos pedidos seguintes. Encaixaria-me como peça perfeita no teu mundo de boneca só para ser o seu brinquedo e penetrar o teu castelo só mais um segundo. Dessa vez nu por inteiro.

Encontraria uma maneira de encontrar os teus olhos e assim como na primeira vez, vê-los sorrir, dessa vez definitivamente.

                                                          

sábado, 21 de janeiro de 2012

Vazio


Branco, liso, vazio... Deitado com as mãos na nuca e as pernas apoiadas no imenso espaço abstrato construído a partir do vão das minhas criaturas. À minha esquerda, junto de um coração aflito, estampado nas paredes macias, alvas, irritantemente perfeitas que quase me tocam, um papel amassado, torturado pelas mãos psicopatas dos erros e caligrafia analfabeta. Identifico cada senha incrustada na irônica piada de mim mesmo. Às vezes vejo graça nas imperfeições, até nas rasuras de um rascunho atirado ao solo.

Transformo o piso frio num leito em brasa onde cruéis correntes visitam meus pulsos. A boca lacrada balbucia seu nome em vão. Ecos silenciosos são devolvidos a um palmo de mim mesmo. Nesses quatro cantos onde busco medidas, num esforço incomum percebo a minha ausência.  Sozinho sou muitos, sou maior, melhor que nada.

Recebo golpes secos de vento, inalo sopros estranhos que vão direto ao estômago. Esticado no centro de um quarto amplo, falta espaço apenas para os pequenos pecados resultados da contravenção de crescer. A janela esquadrinha o sol em frestas entre meus cabelos ralos e mente curiosa. Sol que ousa despertar minhas pestanas, desliza sorrateiro sobre a silhueta da minha sombra. Transporta-me à infância onde despontam os primeiros indícios de um sonho tolo: Amor eterno.

Plantados num vaso estão todos os galhos secos que pisastes. Encolhidas e esquivas, recolheram-se as promessas que não cumpri. Não saíram do papel. A proposta era interessante: Seríamos imortais nas nossas cascas frágeis e intocáveis, na ousadia de competir... De jamais perder.

Acima de mim pairam os segredos traídos que rasgam o meu peito descoberto. O céu que procuro está encoberto por um teto branco, liso, vazio.

                                                                 


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Vaga viagem


Encharcado de lembranças e nostalgias me apoio no que sobrou de mim e na companhia de um cigarro aspiro as cinzas do passado. Dividimos nicotina e recordações. Tabaco e outros inimigos eu tiro de letra, o que me incomoda é o gesso que me imobiliza, é o resgate do passado que passou a galope sem o menor interesse de quem esperava por uma simples carona. Não sei viver de mentira. Só enceno e aceno para os estilhaços da minha emboscada real. Sou as memórias inteiras, as verdades palpáveis, as intensidades vividas, a lenta absolvição dissolvida no júri penal. Como produto perecível estou condicionado a me equilibrar sobre datas, geralmente prescritas. Os espinhos que perfuram as páginas da minha história são imortais. Já tentei atear fogo, mas as labaredas renascem ainda maiores, queimam qualquer esboço de reação. Sentado na varanda ouço o canto de sabiás que anunciam com sabedoria a ronda de intrusos. A sinfonia melódica orquestrada fora da gaiola só é interrompida nos intervalos irregulares em que mudam de posição tanto nos galhos quanto na classificação vocal (amadores de karaokê, sopranos ou tenores). Os Gaviões e demais inimigos são afastados do coral. Garras destoam da harmonia de gargantas afinadas (não afiadas). Uma máfia de galinhas esfomeadas disputa à unha grãos perdidos e farelos de qualquer coisa. Tomam conta das minhas pernas e se apossam de tudo que se aproxime do comestível.  Bicam com furor insetos e outros corpos rastejantes. Só eu que também me arrasto, sou afastado do cardápio. Sou indigesto.
 
Raios de sol atravessam a sombra de frondosas mangueiras. Formigas enfileiradas marcam as folhas com resistentes mandíbulas adaptadas para assinalar sua presença e, numa rapidez atrapalhada esbarram-se umas contra as outras, como se as folhas em fuga disparada se evadissem em correria. Enquanto aquele momento de contemplação se esvai, fico na efervescência (dentre tantas) viagens.

                                                      







terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Utopias


Era o que sorria no vácuo dos meus cálculos mal feitos, na insensatez das minhas atuações de indiferença.

Era o que via nas imagens trêmulas e desfocadas. Acreditava nos demônios vestidos de branco, nos castigos esculturados a partir dos palavrões inocentes proferidos no auge das turbulências imaginárias. 

Era quando me imaginava  no topo de uma encosta, próximo da linha do horizonte alcançando o céu. De braços erguidos tocaria nos mistérios insondáveis além dos sentidos espalmados ao meu alcance.  O meu tamanho reduzido impediu que me misturasse às estrelas, fizesse das minhas costelas constelações. Obstruíram minha vontade de levar comigo uma fatia do sol para evitar o inverno e não me sentir tão só. 

Era quando supunha enxergar a perspectiva das cores pelos meus olhos castanhos. Seguindo o meu delírio as cores escuras não existiriam. Exceto a poesia desse estranho processo seletivo onde os tons amargos eram destruídos. Sobrou-me a neutralidade da loucura real. A nitidez dos sonhos é pontiaguda como lanças, fatal como um disparo à queima roupa  e tão necessário quanto as minhas utopias.

Foram os sonhos que tive de olhos abertos em vigília cautelosa e, cerrados para fingir que não sentia. Os erros e desperdícios desnecessários. A minha teimosia sempre foi maior que as evidências. Com pompa e circunstância  sou o silêncio de todos os gritos, as cicatrizes de todas as colisões.

Eram a sorte idolatrada, acariciada entre os cobertores de ilusões que me aqueciam.

Eram os ímpetos velozes dos espasmos refletidos na ira repentina. A arritmia nunca compreendida da minha insistência.

Eram espelhos que simulavam a imagem sem defeitos, dos cabelos encaracolados em forma de nuvens, da vaidade expressa na minha cara lavada.

Eram as marcas pressupostamente indeléveis deixadas na minha pele com o simples toque dos teus dedos, a maneira com que pronunciava o amor apenas escrevendo.

Não tenho mais dúvidas: Fui enganado e ainda assim não desisti de sonhar.