Páginas

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O mito da inocência


 Em Caraguatatuba vivi uma situação curiosa. Acompanhado de um casal de amigos (que hoje estão casados e com filho). Aproveitei de um final de semana incrível. Muito sol, algumas latas de cerveja, ondas tranquilas e romances disputavam cada palmo de areia. De aliança recente, aproveitava todas as delícias do começo (período em que transformamos o sexo em vício e descobrimos que metade de nós é tesão). As brigas não existiam e estarmos juntos era a única prioridade. As imperfeições de tão sedutoras tornavam-se perfeitas. As deformidades formavam uma névoa que impedia a percepção e encobria o que a paixão ofuscava. Sem perceber banalizamos os sentimentos. Fizemos delas um escudo contra o que poderia ocorrer. Todos os defeitos foram ignorados, todos os hábitos trivializados, todos os impedimentos foram estimulados ao limite da transgressão.  

Tínhamos como companhia uma família metódica, sistemática e cheia de convenções. Às noites, éramos separados para provavelmente evitar que as chamas atingissem os ouvidos do pudor enrubescido das tradições. Tinham uma garotinha de quatorze anos que ajudava a manter a gigantesca casa em ordem. Sem nenhuma noção das “câmeras ligadas”, não percebíamos que estávamos sendo seguidos. Nalgum momento que não consegui reconhecer fomos identificados por radares indiscretos. Pergunto-me em que momento específico se desencadeara a fantasia. Aquela garota aparentemente ingênua havia incorporado ao seu corpo ainda em formação a obsessão pelo alheio. Deixara suas fantasias criativas aflorarem sobre seus pelos em crescimento, sobre os sonhos molhados, acerca da carne macia e intacta dos seus segredos. Sobre os versos rascunhados de amores impossíveis, sobre poesias de pulsos cortados, relativos a morte de amores corrompidos, não correspondidos.

Ao despedirmo-nos, numa atitude despretensiosa e sem malícia, forneci-lhe meu cartão em resposta ao seu "sutil" pedido de contato.

Uma semana depois fomos surpreendidos com uma carta detalhando momentos de um amor inexistente. Com requintes de realidade relatava momentos construídos por sua mente sonâmbula. Boquiaberto, fiz um retrocesso de possíveis aberturas a interpretações na direção de entendimentos equivocados. Nada encontrei. Não lembro sequer a cor dos seus olhos, os detalhes das suas pernas ou a forma dos seus quadris. Obviamente todas as explicações foram inúteis. Nem os melhores argumentos seriam capazes de desfazer uma estória tão minuciosamente elaborada. O primeiro desentendimento aconteceu e depois dele nunca mais conseguimos reconstituir o que imaginávamos ser eterno. Cheguei ao extremo de me imaginar culpado. Talvez eu pudesse tentar localizá-la ou tentar consertar o engano. Tarde demais! Meus vinte e dois anos foram ludibriados por quatorze. Indignado, nunca consegui provar a imaterialidade da denúncia.

E eu pensando que fosse esperto.

                                              












Nenhum comentário:

Postar um comentário