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quarta-feira, 20 de abril de 2016

Metáfora


Aquele estranho som do aço raspando o couro endurecido. A lâmina delgada é projetada lentamente no ar, brilhando preguiçosamente quando erguida da bainha, contendo sua fúria. Movimentos simples e rústicos feitos pelos pés descalços e sujos, nem imaginariam serem acompanhados pela ponta afiada, sibilando baixinho, enquanto corta seu caminho pelo ar morno do final de tarde. Aqui e acolá, vai dançando sem pressa, sem pensar, deixando apenas a canção do aço embalá-la. Cada golpe preciso e toda estocada, firme. A espada já não mais treme quando deixada na horizontal, e logo depois de um bote certeiro. Ela até agradece a forma carinhosa com que é manejada, desferindo cortes, arranhões e dor por onde passa. Escrevinha olhares oblíquos e traiçoeiros nos punhos cerrados.  Esquiva-se, escorrega com elegância das tocaias. Safa-se enfim! Algumas vezes sucumbe. É natural. Desconheço àquele que sai ileso de todas. Destemida, continua seus passos intermináveis. Tudo o que lhe resta quando se acalma, são os gemidos e coisas de quem um dia foi dançarino. A vida, na sua complexidade garantida, exige uma coreografia de peito na boca. Intensa, extrema e inteira. Exatamente como ela. Reinventa-se, se refaz, enquanto limpa a lâmina cuidadosamente num trapo que encontra ali perto. Acompanhando toda essa senda, um Deus ou Mestre de Danças, parado e olhando tudo com cuidado: Desde os populares bailes de carnavais aos sofisticados recitais de óperas. A fé e as convicções, sejam elas dogmáticas ou tolerantes determinam no que acreditar. Desistir ou persistir? Eis o dilema! Cansada e suja, mas não morta! Ignora todo aquele sangue secando em sua pele. Suporta os pequenos ferimentos que ardem, os músculos que reclamam como se os contorcessem. Ela observa um homem à sua frente, desembainhando a espada, desviando dos corpos estendidos no chão. Simbolizados, amontoados de fracassos, decepções e perdas irrecuperáveis. Em algum lugar, a mulher volta a cantar sob o som do beijo do aço, ecoando nas vielas estreitas. Nada a fará declinar da sua dança. Contrária aos olhares estáticos, fotográficos, atraí-lhe a ideia de ser impelida a atingir os seus sonhos mais profundos. Refuta integralmente a concepção de transformar-se num simples produto póstumo dos homens: A incerteza.


                               

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