Aquele estranho som do
aço raspando o couro endurecido. A lâmina delgada é projetada
lentamente no ar, brilhando preguiçosamente quando erguida da bainha, contendo sua fúria. Movimentos simples e rústicos feitos pelos
pés descalços e sujos, nem imaginariam serem acompanhados pela
ponta afiada, sibilando baixinho, enquanto corta seu caminho pelo ar
morno do final de tarde. Aqui e acolá, vai dançando sem pressa, sem
pensar, deixando apenas a canção do aço embalá-la. Cada golpe preciso e
toda estocada, firme. A espada já não mais treme quando deixada na
horizontal, e logo depois de um bote certeiro. Ela até agradece a forma
carinhosa com que é manejada, desferindo cortes, arranhões e dor
por onde passa. Escrevinha olhares oblíquos e traiçoeiros nos punhos cerrados. Esquiva-se, escorrega com elegância das tocaias. Safa-se
enfim! Algumas vezes sucumbe. É natural. Desconheço àquele que sai ileso de
todas. Destemida, continua seus passos intermináveis. Tudo o que lhe
resta quando se acalma, são os gemidos e coisas de quem um dia foi
dançarino. A vida, na sua complexidade garantida, exige uma
coreografia de peito na boca. Intensa, extrema e inteira. Exatamente como
ela. Reinventa-se, se refaz, enquanto limpa a lâmina cuidadosamente num trapo que
encontra ali perto. Acompanhando toda
essa senda, um Deus ou Mestre de Danças, parado e olhando tudo com
cuidado: Desde os populares bailes de carnavais aos sofisticados
recitais de óperas. A fé e as convicções, sejam elas dogmáticas ou
tolerantes determinam no que acreditar. Desistir ou persistir? Eis o
dilema! Cansada e suja, mas não morta! Ignora todo aquele sangue secando em
sua pele. Suporta os pequenos ferimentos que ardem, os músculos que reclamam como se os contorcessem.
Ela observa um homem à sua frente, desembainhando a espada,
desviando dos corpos estendidos no chão. Simbolizados, amontoados de fracassos, decepções e
perdas irrecuperáveis. Em algum lugar, a mulher volta a
cantar sob o som do beijo do aço, ecoando nas vielas estreitas. Nada a fará declinar da sua dança. Contrária aos olhares estáticos, fotográficos, atraí-lhe a ideia de ser impelida a atingir os seus sonhos mais profundos. Refuta integralmente a concepção de transformar-se num simples produto póstumo dos homens: A incerteza.
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