Lentamente arrumara os
cabelos. Com um chumaço de algodão, retirara das pálpebras o
excesso de insônia e cansaço. Apreciara, como de costume a quase
síndrome de narciso, que eventualmente a assediava. Tudo sob a luz
tênue que lambia de leve o espelho. Os olhos felinos percorreriam sem pressa, de cima abaixo, cada milímetro do seu corpo. Na
janela entreaberta o balé frenético das cortinas. Tudo tão
perfeito, tão adequado, tão confortável! A não ser pelo detalhe
do hematoma que sombreava-lhe o peito. Sentara na cama e observara em
silêncio aquele ingresso para um concerto de violino. Sentira com
prazer, aproximar-se o encontro mágico entre o som e a poesia. E de
quebra, teria acesso a bons momentos ao lado de excelente companhia.
Sorrira com lábios indomáveis até o telefone emitir um estridente
chamado. Aquele objeto sacudira-se em desespero, suplicando ser
atendido. Queria, ou melhor, exigia-lhe atenção! Tomada de um gesto
reflexo apoderara-se do aparelho aflito e o aplacaria antes de
voltá-lo ao gancho. Ainda exultante, comemorara consigo a ratificação do compromisso para logo mais à noite. Sem muito calcular, escolhera um vestido cinza,
ajustara-o em seu corpo em boa forma. Sobre o vestido sóbrio,
incorporara-lhe um casaco negro que alcançava-lhe fácil as
panturrilhas. Após uma borrifada do seu perfume preferido, aspergira
uma atmosfera autentica de personalidade. Flagrara-se sobraçada a
uma caixa marmorizada, recheada de história: Bilhetes, lembranças, datas, fatos
e fotos. Surpreendera-se com o prontuário que o tempo lhe concedera.
Naqueles dados, estavam implícitos expectativas - Por mais que
busque-se omitir, ninguém faz nada sem interesse. No caso dela,
queria respostas ao som do violino. Estava tudo planejado. Saberia se
valeria a pena investir. Fizera uma longa viagem imaginária antes de
deslocar os pés de bailarina para fora do chinelo. Sapatos de veludo
pretos foram colocados e os saltos altos e finos confeririam-lhe um ar
altivo e sedutor. O coração ansioso galopara. O relógio martelara
do outro lado do quarto. Parecia satirizar sobre sua impaciência.
Pontualmente cravado. Eram 22 horas. O
compromisso dar-se-ia às 23 horas. Com o violino amparado no ombro, o
músico de olhos fechados abriu o espetáculo. De imediato,
imaginara-se em consonância com uma dança leve, onde os passos puxavam
as notas. As mãos definiriam uma troca de poderes, onde cada uma
procuraria o comando. Numa mistura de cheiros, toques,
melodias e outras sensações, faltaria os lençóis serem consultados.
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