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quarta-feira, 4 de maio de 2016

Perspectiva ampliada


 Antológico distender impressões, antes tão curtas, dos aspectos tão escrupulosos de Bruna...

Escurecia. Início de um rigoroso inverno. Logo a noite estaria cerrada. Sentados ao lado de duas janelas grandes de vidro, olhavam a chuva torrencial que castigava sem dó as vidraças. Bem que o contexto poderia sugerir uma chuva suave, onde poderiam seguir as gotas com os dedos. Seria muito mais romântico! Quem sabe uma neblina fina, com uma lareira ao fundo... À revelia, não se sucedia exatamente assim... Bruna, exercia ali toda a frieza milimetricamente calculada há anos. Garota de programa, morena, lábios selvagens, exalando sensualidade. Da carne à alma, era pura tentação. Tamanhos seus atributos de beleza, era amplamente requisitada. Sem nenhuma espécie de constrangimento, sentia-se inteiramente ressalvada pela sinceridade que articulava sem rodeios. Refutava qualquer indício de intimidade que pudesse configurar envolvimento. Segundo ela, beijo na boca envolve língua e, por conseguinte, privacidade. Sexo desprotegido suscita contato direto e ilimitado entre peles. Sua independência não admite tais exceções. Do alto da sua perspicácia, havia compreendido que todo corpo nu torna-se presa fácil.

Chegou em boa hora um café que fumegava ante os vasos sanguíneos contraídos e asfixiados pela falta de oxigênio. Agarravam-se às xícaras como a defender territórios. Bruna, erguia barricadas em torno das suas convicções. O afoito estrangeiro a aceirava com ares diabólicos. Tentava dissuadi-la do seu aparente desprezo. Experimentada, plenamente afeita às multiplicidades, algo soprava-lhe aos ouvidos para não fixar os olhos em quem a cobiçava. Havia um risco claro que a condição que há tempos adotara, pudesse sofrer abalos. Compreendia a gama de pareceres delicados: De um lado a controversa polêmica entre a ética e os valores. Paralelamente, a farsa e a dissimulação da normalidade. Considerava inadmissível todo juízo de valor que certamente lhe seria imputada. Somente ela tinha conhecimento de onde apertavam-lhe os calos. Era indubitavelmente um produto em exposição. Contrapondo-se, há que se mensurar a insatisfação daqueles que a procuram. Usava sim à exaustão, todas as peculiaridades que a natureza generosamente a concederam. Não causava-lhe embaraço comercializar o corpo. Pesava-lhe tão somente o delito de cunho social e convenhamos, hipócrita.

O espaço que dividiam era mínimo, o que exigia que ambos se contraíssem no encosto das cadeiras. Distraídos nos caminhos da fumaça que libertavam pela boca, entre uma frase e outra. Fez-se de repente um silêncio retumbante, daqueles que coagem até o piscar de olhos. Aquela fenda precisava ser encerrada, para que outros encontros pudessem se desenvolver.

Haja o que houver, sempre haverá alguém querendo puxar "à força" uma companhia para mais um café.

                          
                                 
                                

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