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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Pela metade


O que algumas incompatibilidades nos afastariam outras identificações nos uniriam. Sejam por discrepâncias sociais ou por admirações combinadas com almas reveladas nas semelhanças. A analogia da atração estava contida na minha história e na sua liberdade. Éramos a parte maior do que não aconteceu. O destino exigiu de nós o combate fracionado. Divididos, diminuímos as chances, reduzimos a potência quando deixamos as mãos escaparem. Abreviamos por descuido nossos laços, tratos, abraços. Os desejos não alcançaram a cama e as fantasias. Eram superiores outros motivos, eram maiores argumentos que explicavam nossas procuras. Foi um amor sem reservas. De tão puro e verdadeiro só  o tempo e distância interrompeu.

Perdi-te entre os anéis exóticos e os adornos indígenas que colecionava. Tentei compreender a fênix que ilustrava suas costas e as tribais fincadas nos teus dedos. Adepto do futebol incorporei novas expressões e impressões inerentes ao surf, esporte praticado por ela. Linda, curtida pelo sol, capoeirista, amante de berimbau e de reggae, personalidade forte e espírito hippie. Dispusemo-nos a compreender a distância entre nós e a proximidade manifestada nas nossas curiosidades. Enquanto ela me satisfazia com livros, eu sabia exatamente que itens como bolsas, biquínis, chapéus e óculos saciavam seus aniversários.

Nossa relação patrão/empregado ultrapassou os limites da profissão. Com a admiração, surgiu a força da amizade. Nunca sentei num banco de areia para observá-la dropando as ondas, cavalgando sobre os sabores do mar, tropeçando sobre as vacas inevitáveis das manobras ousadas e excêntricas. De longe me limitava a conferir o acondicionamento das pranchas antes das viagens.

A praia da Joaquina - Florianópolis e Maresias – litoral norte de São Paulo tornaram-se reduto dos nossos debates. Acompanhada do seu namorado, trafegava pelo Brasil em busca de sol e ondas perfeitas. Não guardava e nem guardo nenhum amor platônico, nenhum sentimento enrustido, apenas dividia um amor sem reservas, inexplicavelmente puro, baseado na confiança. Inclusive minha ex-esposa partilhava das mesmas impressões. Tornaram-se amigas incondicionais. Estivemos em todas as apresentações de dança protagonizadas por ela. Bronzeada, panturrilhas esculpidas na dança, olhos e cabelos mel, Simples, sem ostentações. Humilde sem a arrogância dos que se acham suficientes. Cobiçada por todos que se aproximavam. Implacável quando observava seu espaço ameaçado. Capaz de sacar uma arma diante da expressão idiota  e machista: delícia.

Sabe o que mais?

Foi até divertido presenciar um playboy se desmanchando em suor diante da reação inesperada da bela que, dependendo da situação sabia encarnar a fera.

Não posso considerar-me completo convivendo com a saudade do que me falta.  Ao distanciar-me mudando de cidade, alterei naturalmente a agenda com uma nova seleção de amigos. Esqueci da identidade que carregava, dos antigos amigos vinculados à minha história. Mesmo porque imaginava que a qualquer tempo resgataria vínculos suspensos, jamais esquecidos. 

A tua perda irreparável implicou na mudança de endereço e contatos. Uma única carta ainda sobreviveu na tentativa desesperada de uma retomada. Guardo em separado uma última conversa que eventualmente recupero, onde com tristeza sublinhava a necessidade da manutenção esporádica de amigos. A atualização  referida por ela implica por vezes, recomeçar do começo. Nesse reinício eu ainda não deveria existir.

Devolve a outra metade!

                                                        


















quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Anônimos?


Engana-se quem acha que o anonimato protege os infratores. Que sob o abrigo de manipulações escapam ilesos na sua suposta privacidade. Por acaso, a causalidade os flagra sem intenção e desproposidamente (no caso, eu). O causo pode atingir o caos de consequências impensadas, quando confiscadas por olhos mercenários. Em tempos hiperinflacionados tudo está à venda (inclusive pressupostas informações). Constrangimentos são transformados em comércio. Chantagens por vantagens apelam e pelam por maldade e diversão. À frente, compromissos são ameaçados por riscos não calculados, traições correm perigo.

Trabalhei por anos numa Empresa que parece ter sido a única. Toda a minha vida parece se resumir a uma estrutura que nem existe mais. A janela da minha sala tinha como panorama frontal um motel de luxo. Algumas vezes fui testemunha de carros de polícia em companhia de mulheres destruindo álibis de companheiros em aventuras (geralmente vespertinas).

Entre as minhas atribuições diárias, estava a administração do Departamento financeiro. Cotidianamente me deslocava a pé até a Instituição bancária nas proximidades do meu trabalho para proceder às movimentações obrigatórias. Acabei desenvolvendo vínculos entre os funcionários (alguns até íntimos envolvendo filhos, esposas e residências). Era atendido, muitas vezes por uma mulher muito sedutora, cabelos curtos, esguia, bem articulada, desembaraçada e prática. Nosso contato limitava-se aos protocolos dos nossos ofícios. O banco tornou-se uma extensão da minha casa.

Controlava a Instituição bancária um homem áspero frio e inflexível. Dado a poucas palavras, arrogante, intimidava com a postura implacável dos ditadores. Soube nos bastidores que comportava no seu perfil um primata, machista e suficientemente absoluto.

Na volta sempre apressada na retomada de mais um dia estafante, vejo um carro estacionado com dois componentes em um amasso enlaçado, longo e sem delongas. De imediato pareceu-me familiares, mas segui no encalço do que me interessava. De repente passa por mim um veículo em direção ao motel com os dois flagrados momentos atrás em preliminares de tirar o fôlego. Riam sem controle e a culpa parecia apenas pressa e excitação.

Dessa vez não tive dúvidas. Tratava-se dos dois citados nesse relato.

Não me surpreende o tesão reprimido. Só imagino que hora ou outra pessoas diretamente ligadas aos dois irão surpreendê-los. Penso mais:, nas vezes que coincidentemente encontrei pessoas que nem imaginava. Pensamento primeiro: “Ufa! ainda bem que não estava fazendo nada de errado”.

                                                                

















sábado, 17 de dezembro de 2011

Contraste


Aprendi a me convencer que além das tuas curvas existiam outras fendas menos secretas. Mesmo sem querer conheci o sabor de outras bocas, a hospitalidade de outras pousadas. Compreendi que a infidelidade é apenas uma possibilidade que se manifesta casualmente, pontualmente nos pontos mais frágeis dos homens. A fidelidade que julgava apenas como um dogma religioso, foi infiel. Fui traído. Diferem-se as relações maduras das amadoras as que conseguem administrar as rachaduras. Defendi honestamente a habilidade de desmistificar o código do seu corpo. Todos os toques foram sentidos, consentidos, divididos. Da tua boca sufocada pela ausência de ar, soprei sílabas de desejos e hálito de pecados. Assumo minha postura de anjo e demônio da mesma forma que deveria acolher os créditos intermitentes de santa e de  puta. Subornei o tempo para recompor o ritmo que precisávamos. Tentei domesticar os teus vícios, frutos de uma criação protetora e me tornei prisioneiro (fui conivente). Avancei decidido sobre as tuas inseguranças. A violência da tua severidade violou a minha paciência. Fiz das minhas hesitações o quintal tranquilo do meu repouso em desespero. Tentei compreender as encruzilhadas da tua rota e me perdi entre as rochas que te guardavam. Cruzei o emaranhado complexo das tuas fantasias e fui ridículo ao ceder aos seus caprichos. Submeti o calor latino à frieza escandinava - quase me tornei frustrado por me achar culpado. Do amor definido nos bilhetes e encontros furtivos foi revelado a parcela sofrida da verdade partida. Éramos mais do que supúnhamos. Multifacetados, compostos de muitos. Não soubemos lidar com as múltiplas invasões que intimidaram nosso sono.  Bastava a  simples compreensão da renúncia necessária para evitar a solidão do vazio.

De um lado a fé no nos milagres, no invisível aos olhos limitados. Em contrapartida o cansaço, o pragmatismo, a razão aos pedaços, o equilíbrio incerto, o curso lento do otimismo, a fragilidade das verdades com sombra de dúvidas. O espanto se dá quando somos compelidos a entender que não somos um só, que além do nosso ego circulam outros projetos. A nossa satisfação está intrinsecamente atrelada a nossa própria realização. 

Em oposição ao homem comedido, econômico nos verbos ergue-se o indivíduo que escreve pelos cotovelos, não vê sentido na ativação de filtros de censura. Não se vê ameaçado nas suas poucas reservas. Entrego aos raros amigos as confidências que extrapolam o peso que consigo suportar. Do mesmo modo, sou todo ouvidos.

Emotivo (principalmente com coisas simples), intenso (com tudo que valha a pena). Continuo cometendo enganos e muitas vezes me equivoco com aparências e fingimentos. Frágil com tudo que se refere ao meu filho. Firme quando insultam ou subestimam minha inteligência.

Exerço a indiferença quando necessário, sou frio e calculista por mecanismo de sobrevivência. Por instinto pratico o egoísmo e o desprezo. Desconfio que o ódio não tenha conquistado a minha adesão por decisão. Embora saiba que ele se mantém recostado à porta, esperando por um sinal. Venero com igual entusiasmo idosos e crianças. Ambos possuem a sutileza da vida, o contraste entre nascimento e a eternidade em forma de sabedoria.

Não sou amargo nem alimento recalques pelas ilusões desfeitas. Novos enganos serão cometidos, diferentes práticas serão implantadas, antigas serão resgatadas e sigo assim...

Às vezes mais, às vezes menos... Um eterno contraste.

                                            



















quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O mito da inocência


 Em Caraguatatuba vivi uma situação curiosa. Acompanhado de um casal de amigos (que hoje estão casados e com filho). Aproveitei de um final de semana incrível. Muito sol, algumas latas de cerveja, ondas tranquilas e romances disputavam cada palmo de areia. De aliança recente, aproveitava todas as delícias do começo (período em que transformamos o sexo em vício e descobrimos que metade de nós é tesão). As brigas não existiam e estarmos juntos era a única prioridade. As imperfeições de tão sedutoras tornavam-se perfeitas. As deformidades formavam uma névoa que impedia a percepção e encobria o que a paixão ofuscava. Sem perceber banalizamos os sentimentos. Fizemos delas um escudo contra o que poderia ocorrer. Todos os defeitos foram ignorados, todos os hábitos trivializados, todos os impedimentos foram estimulados ao limite da transgressão.  

Tínhamos como companhia uma família metódica, sistemática e cheia de convenções. Às noites, éramos separados para provavelmente evitar que as chamas atingissem os ouvidos do pudor enrubescido das tradições. Tinham uma garotinha de quatorze anos que ajudava a manter a gigantesca casa em ordem. Sem nenhuma noção das “câmeras ligadas”, não percebíamos que estávamos sendo seguidos. Nalgum momento que não consegui reconhecer fomos identificados por radares indiscretos. Pergunto-me em que momento específico se desencadeara a fantasia. Aquela garota aparentemente ingênua havia incorporado ao seu corpo ainda em formação a obsessão pelo alheio. Deixara suas fantasias criativas aflorarem sobre seus pelos em crescimento, sobre os sonhos molhados, acerca da carne macia e intacta dos seus segredos. Sobre os versos rascunhados de amores impossíveis, sobre poesias de pulsos cortados, relativos a morte de amores corrompidos, não correspondidos.

Ao despedirmo-nos, numa atitude despretensiosa e sem malícia, forneci-lhe meu cartão em resposta ao seu "sutil" pedido de contato.

Uma semana depois fomos surpreendidos com uma carta detalhando momentos de um amor inexistente. Com requintes de realidade relatava momentos construídos por sua mente sonâmbula. Boquiaberto, fiz um retrocesso de possíveis aberturas a interpretações na direção de entendimentos equivocados. Nada encontrei. Não lembro sequer a cor dos seus olhos, os detalhes das suas pernas ou a forma dos seus quadris. Obviamente todas as explicações foram inúteis. Nem os melhores argumentos seriam capazes de desfazer uma estória tão minuciosamente elaborada. O primeiro desentendimento aconteceu e depois dele nunca mais conseguimos reconstituir o que imaginávamos ser eterno. Cheguei ao extremo de me imaginar culpado. Talvez eu pudesse tentar localizá-la ou tentar consertar o engano. Tarde demais! Meus vinte e dois anos foram ludibriados por quatorze. Indignado, nunca consegui provar a imaterialidade da denúncia.

E eu pensando que fosse esperto.