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sábado, 10 de setembro de 2011

Metade máquina


 Carrego nas vísceras engrenagens robóticas. Divido as emoções do coração com sistemas e planilhas minuciosamente calculadas. Aprendi a não sofrer de graça, a não jogar milho aos pombos simplesmente sentado numa praça. Se um dia sofri em silêncio, abafando dores que julgava necessárias, hoje resgato as peças para serem lubrificadas e as adapto à minha proteção.

Esquecidos sobre mim hibernam feras enjauladas e famintas. Do meu lago plácido evaporam monstros indomáveis. Crescem urtigas no meu estômago, nascem calos na minha voz, estouram bombas nas minhas pernas, dependuram-se morcegos na minha luz. Agoniza um homem de carne, ossos, sangue e cérebro, transformado (ironicamente) em mais uma sucata.   

Já fui desonesto e covarde por fingir apetite sexual, quando na verdade havia saciado-o horas atrás, menti sobre verdades que eu acreditava, seduzi umas três virgens ainda lacradas por opção. Fui a salvação farsante de um crime sem fiança (violei confianças). Sem pudor, pisei na inocência, coagi e caçoei dos sonhos que não me pertenciam.

Juro que parei. A pausa aconteceu não por acaso. Joguei para o alto metade do meu corpo que ainda sentia. Agora sou só uma armadura.

Melhor assim...

                                                      


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