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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Fantasias


Quando entrei na sala logo vi seu rosto repetido em muitas histórias. Meu corpo entregue a manipulação (como se a mão fosse o  destino), ganhou inspiração e aspiração. Neurônios entraram em ebulição, trancos involuntários mexeram com a minha biologia. Estampava-se nos meus assomos esporádicos de insuficiência os atributos perfeitos para mais uma tentativa. O sentido todo arrumado entrou em colapso, a ordem saiu da rota, o tráfego fechou, as pernas adormeceram. Esqueci dos momentos atrás, dos sonhos dissimulados e das cicatrizes da realidade. O coração em trote indomável refletiu seus pulsos no meu uniforme azul. Denominei aquele conjunto de acaso, onde o seu nome foi o impacto do meu interesse. Sob o domínio das circunstâncias invisíveis deixei que meus olhos fechassem e meu corpo desmoronasse entre as ruínas de tantos fracassos (precisava acreditar de novo).  O incêndio se propagou sobre as ousadas e ardentes lembranças que guardei. Não buscava detalhes do amor lúdico (já  o compreendia e sabia  que a distância serviria de cautela). Perseguia a profundidade de valores que ainda desconhecia e  que,  por ironia me foi negado. Na minha frente, a surpresa disfarçada de desejos e a volúpia dos beijos roubados. Com a saciedade e o exasperado exagero das noites em claro desafogando nossas fantasias veio o vazio, a colisão de metas, o silêncio verificado na possível despedida.   

A lenta marcha dos pensamentos, a ruptura abrupta do raciocínio, os projetos desorganizados e o naufrágio inevitável daquele encontro. Foram feitas promessas que não se cumpririam, pactos que pareciam eternos, beijos que nos transportaram para locais desconhecidos. Insatisfações, traições imaginárias, fidelidade sob suspeita. O amor tão distante da história foi preterido, tomou rumo próprio. Levou consigo o estranho estado da nossa imobilidade. Debochado, ironizou da nossa fantasia.

O casamento aconteceu numa festa temática onde o traje obrigatório da fantasia foi respeitado. Rebelde, transmutou-se para outras narrativas. Foi brincar com outras histórias. Comigo, perdeu a graça.

                                            






quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Do avesso


Às vezes tenho ímpetos de furar bolos de aniversários, gargalhar em meio às lágrimas, andar de costas, fumar charuto, andar de charrete, avançar o sinal vermelho, colorir o céu de vermelho, asfixiar o mar, algemar as estrelas, galopar sobre o vento, capturar a liberdade como refém, degolar o silêncio, perder o fôlego num beijo, transar por horas a fio no topo de um edifício, brincar do jogar capoeira com uma velhinha, encoleirar os pensamentos, empoleirar os segundos, achar o ridículo engraçado, ser o tédio de agora, esgotar o vácuo inútil, alvejar um falcão em vôo, conspirar, transgredir, violar o anonimato, não sentir, não sofrer a dor, não ter medo, entrar no mar de sapatos, explorar meus pontos inconstantes, constranger um elevador em operação com cenas tórridas e impróprias, me equilibrar em trilhos antigos com vagões enferrujados, gostar de pamonhas, abominar camarão, tombar sobre pilhas de textos incompreensíveis, escrever de olhos fechados, compreender as teorias do Freud, tolerar os imbecis, navegar ileso num rio de piranhas, ser imune ao esquecimento, transformar o côncavo em convexo, voltar a dormir no tapete, caminhar por estradas assombradas, abdicar das boas maneiras, assumir uma das identidades mais cruéis dos humanos: a indiferença, reconsiderar o egoísmo como necessário, confiscar a moeda do tio patinhas, destruir com socos os sorrisos facínoras e os olhares opostos. Diametralmente, me convencer que nem de longe sou a melhor escolha. Exerço apenas um esforço sobre-humano em mudar a história. Ao invés do avesso quero ser visto ao inverso. Mudar de lugar, confrontar, discordar, exceder, omitir são argumentos válidos, mas o que preciso mesmo é me reinventar (ou melhor, não inventar uma imagem baseada na aparência. Renascer exatamente igual – já sentia falta de mim).

 Aqui estou, tão imperfeito como antes.





sábado, 10 de setembro de 2011

Metade máquina


 Carrego nas vísceras engrenagens robóticas. Divido as emoções do coração com sistemas e planilhas minuciosamente calculadas. Aprendi a não sofrer de graça, a não jogar milho aos pombos simplesmente sentado numa praça. Se um dia sofri em silêncio, abafando dores que julgava necessárias, hoje resgato as peças para serem lubrificadas e as adapto à minha proteção.

Esquecidos sobre mim hibernam feras enjauladas e famintas. Do meu lago plácido evaporam monstros indomáveis. Crescem urtigas no meu estômago, nascem calos na minha voz, estouram bombas nas minhas pernas, dependuram-se morcegos na minha luz. Agoniza um homem de carne, ossos, sangue e cérebro, transformado (ironicamente) em mais uma sucata.   

Já fui desonesto e covarde por fingir apetite sexual, quando na verdade havia saciado-o horas atrás, menti sobre verdades que eu acreditava, seduzi umas três virgens ainda lacradas por opção. Fui a salvação farsante de um crime sem fiança (violei confianças). Sem pudor, pisei na inocência, coagi e caçoei dos sonhos que não me pertenciam.

Juro que parei. A pausa aconteceu não por acaso. Joguei para o alto metade do meu corpo que ainda sentia. Agora sou só uma armadura.

Melhor assim...

                                                      


domingo, 4 de setembro de 2011

Sem censura


 Sinto um misto de aflição e excitação com a tua língua preenchendo minha orelha, percorrendo os arrepios do meu pescoço, desvendando cada sussurro pronunciado por pelos eriçados e pela colisão de dentes e línguas. O cheiro afrodisíaco e indefectível dos cabelos e o toque mágico dos teus dedos assanham a imaginação e provocam as chamas da libido. Demônios e feromônios entram em cena e juntam-se a nós. Fazem nós nos nossos fetiches: rendas vermelhas e corpo nu.

Os batimentos cardíacos aceleram, os vasos se expandem, o sangue que passeia por todos os cômodos prioriza a represa de um corpo em asfixia, de um pêndulo que almeja outras alturas. A flacidez preguiçosa e sem inspiração ganha contornos, diâmetros e ereções. Pulsa com rigidez as polegadas aflitas por hospedagem. 

Na linha da cintura dispõe-se em breve repouso um objeto irracional, irresponsavelmente guiado por estímulos instintivos de animais em fúria. Em espasmos involuntários, clama por agasalho. Os gemidos soltos nos galopes da penumbra iluminam a poesia de um corpo estendido sobre as lembranças de tantos instantes censurados (menos por nós).

Por fim, cospe as sementes após o consumo das delicias de um figo de polpa doce e delicada.