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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Em busca dos sapatos


De barriga crescida e estômago escoltado pela fome, rompe desnorteado ao norte, movido por uma força ancestral que ele desconhece. Pouco conhece dos seus antepassados. Seu passado é o presente e está concentrado nos pés descalços, na pele encarquilhada dos seus motores. De passagem na passarela da procura, dribla automóveis de olhos abertos, cruza o fogo cruzado dos grossos calibres, desvenda o mistério escondido nas esquinas, contorna os postes sobrecarregados de fios clandestinos. Entre as chamas que varrem a favela, segue obstinado a pista dos seus sapatos.

Ignora obesas prostitutas, pisoteia ervas que enervam, demonstra apatia às partituras de Mozart e Beethoven - que são ensaiadas por seus colegas de pelada. O único som que interessa são dos seus passos que levantam poeira, que estremecem a base frágil da madeira que equilibra seus pares, que desequilibra a igualdade.

Há os que usam mocassins de crocodilo, sapatos italianos.

E, ainda há (como esse menino) os que correm atrás dos simples sapatos.

(Esse menino existe e Deus há de tê-lo guiado).

                                                             


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