Numa tarde de verão, estou amparado na minha janela. Gotas de suor evaporam com o bafejo que se dissipa nos meus arredores. Tal uma estrutura de cera, vou derretendo, me desmanchando feito sorvete. E o meu corpo, sertão árido, grita estridente por água.
Sinto um cheiro que me reporta a solo encharcado, grama molhada, velas acesas, pólvora vencida...
Formigas de asas dão o primeiro alerta de tempo instável. A atmosfera sufocada reage e, quase em fúria, rompe os lacres que armazenam a composição da vida. Aos baldes, são descartados o alívio.
Nesse momento de garganta seca, lábios sequiosos, rogam na minha crise, uma chuva de grãos, ao invés das gotas. Em oposição ao liquido, o sólido parece ser mais oportuno. Na verdade fome e sede se confundem.
Pela vidraça, tento tocar os primeiros pingos que escorrem ligeiros e organizados. A língua, vítima da estiagem, molha por fim, as palavras. Meu rosto borrado por marcas de lama e insígnias do tempo são removidas pela chuva, que de braços abertos recebo e abraço.
Sou parte desse lamento. Faço parte desse espetáculo - A natureza expõe sua face despudorada. Deixa-se desnudar sem cálculos e sem medidas. Arranca as vestes fatigadas, revela sua pele branca, imaculada, santa.
Do mormaço que cuspia farpas, sobrou poças fragmentadas, estilhaços de espelho que reproduzem frestas de um sol ainda tímido, acanhado. Do corpo em febre, abrasado, das labaredas que antes lambiam minha estação, restou um cheiro de grama orvalhada, uma alma lavada.
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