Circunspecto, tento não ser refém do passado, perco-me no tempo distante das minhas lembranças, memórias de algodão que embrulham a minha história. Rolos de filmes largados, empilhados, esquecidos no quarto abstrato do meu devaneio. O elenco é reduzido e os personagens estão vendados. Encontro Capítulos amassados, Cenas picotadas, enterradas além da minha captura. Os muros de aço, as gotas de sangue, o som estridente dos passos é tudo inventado. São olhos exagerados, deslumbrados e imbecilmente culpados.
Ao mirar-me no espelho me assusto com teus gestos, reproduzo a astúcia ambígua dos teus olhos. Subitamente, tento destruir o reflexo do que fui, do que sou... A medusa está à solta gingando os quadris, roçando os seios, afogando meus sussurros e calando minha volúpia com o abraço das suas coxas. A boca insinua e provoca a minha fraqueza. Olhares lascivos cegam os meus. Em libidinosa entrega submeto-me ao pecado que ilusoriamente me salva.
Intensos, doces ou viris, fixos ou oscilantes, enigmáticos ou serenos, sedutores ou ingênuos... Apenas olhares. Simples sentidos que podem explicar a loucura, que podem detonar a cavalgada dos instintos mais primitivos.
Ah, essas lentes curiosas! Desvendam, investigam, sugerem, delatam, capturam, fulminam, declaram e são capazes de fingir que nunca viram.