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segunda-feira, 28 de março de 2016

Voz de um violino



Lentamente arrumara os cabelos. Com um chumaço de algodão, retirara das pálpebras o excesso de insônia e cansaço. Apreciara, como de costume a quase síndrome de narciso, que eventualmente a assediava. Tudo sob a luz tênue que lambia de leve o espelho. Os olhos felinos percorreriam sem pressa, de cima abaixo, cada milímetro do seu corpo. Na janela entreaberta o balé frenético das cortinas. Tudo tão perfeito, tão adequado, tão confortável! A não ser pelo detalhe do hematoma que sombreava-lhe o peito. Sentara na cama e observara em silêncio aquele ingresso para um concerto de violino. Sentira com prazer, aproximar-se o encontro mágico entre o som e a poesia. E de quebra, teria acesso a bons momentos ao lado de excelente companhia. Sorrira com lábios indomáveis até o telefone emitir um estridente chamado. Aquele objeto sacudira-se em desespero, suplicando ser atendido. Queria, ou melhor, exigia-lhe atenção! Tomada de um gesto reflexo apoderara-se do aparelho aflito e o aplacaria antes de voltá-lo ao gancho. Ainda exultante, comemorara consigo a ratificação do compromisso para logo mais à noite. Sem muito calcular, escolhera um vestido cinza, ajustara-o em seu corpo em boa forma. Sobre o vestido sóbrio, incorporara-lhe um casaco negro que alcançava-lhe fácil as panturrilhas. Após uma borrifada do seu perfume preferido, aspergira uma atmosfera autentica de personalidade. Flagrara-se sobraçada a uma caixa marmorizada, recheada de história: Bilhetes, lembranças, datas, fatos e fotos. Surpreendera-se com o prontuário que o tempo lhe concedera. Naqueles dados, estavam implícitos expectativas - Por mais que busque-se omitir, ninguém faz nada sem interesse. No caso dela, queria respostas ao som do violino. Estava tudo planejado. Saberia se valeria a pena investir. Fizera uma longa viagem imaginária antes de deslocar os pés de bailarina para fora do chinelo. Sapatos de veludo pretos foram colocados e os saltos altos e finos confeririam-lhe um ar altivo e sedutor. O coração ansioso galopara. O relógio martelara do outro lado do quarto. Parecia satirizar sobre sua impaciência. Pontualmente cravado. Eram 22 horas.  O compromisso dar-se-ia às 23 horas. Com o violino amparado no ombro, o músico de olhos fechados abriu o espetáculo. De imediato, imaginara-se em consonância com uma dança leve, onde os passos puxavam as notas. As mãos definiriam uma troca de poderes, onde cada uma procuraria o comando. Numa mistura de cheiros, toques, melodias e outras sensações, faltaria os lençóis serem consultados.