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sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Pela janela


Era começo da tarde... Andares abaixo, trafegavam carros apressados e buzinas abafadas por sirenes em estado de emergência. Pela janela, observava um grupo de meninas com meias brancas galgando os joelhos. Algumas de cabelos lisos, cortados ao meio. Outras de madeixas estiradas, quando não aprisionadas por presilhas curtas, amarelas, verdes e vermelhas. Haviam ainda as adeptas dos cacheados, tingidos e de franjas ocultando a testa e suavizando rostos, supostamente de dimensões desagradáveis. Entre elas notabilizava-se uma aparição que saltitava feliz em amplitude compatível à longitude das suas pernas. Com seus aparentes dezessete anos, formação óssea incompleta, escapavam-lhe imperfeições que tornavam-na a mais bela e atraente de todas. Destacava-se como um monumento naquela associação de diferenças. Raios de sol lançados na vertical acentuavam o tom alaranjado que lhe nomeava de ruiva. O calor da energia que aleatoriamente empregavam fazia surgir-lhe nas têmporas, gotículas de suor que deslizavam sobre suas faces. Em especial, no salpicado de sardas que habitava a minha escolhida. Sua estatura extravagante lhe conferia um ar desengonçado que chamava a atenção. Os ombros desalinhados comprovava a desajeitada figura que me arrebatara. Aquela estrutura grande, de dimensões incomuns, parecia desconfortável, com dificuldade de espaço para se posicionar. Braços longos ensaiavam estabanados movimentos largos. Curvava-se sobre uma pasta preta, numa mistura displicente de cuidado com demasia. Comecei a contemplar a beleza que não precisava ser chancelada pela plateia. Como eram intensas nas simples sutilezas de se equilibrarem no meio-fio! Passeavam em ordem sem imaginar que de longe eram observadas. Estava ali a classificação genuína da sensualidade sem pose. Atento, sob aquela tarde ociosa, ajustava antenas analíticas no encalço gracioso, que aquele conjunto juvenil despertara. Não eram os hormônios que borbulhavam ante aquele cenário (testosterona absolvida). Atrás daquela vidraça postava-se um homem comum, de meia idade. Surpreso exclusivamente, perante aquela frequência despretensiosa, que ingenuamente protagonizavam. Hipoteticamente anônimas, simplesmente giravam, se esbaldavam aos berros, se esbarravam em direções opostas ao alvo do destino: O colégio testemunhava de longe...

E eu também.

                            
                            

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Breve intervalo


Numa noite qualquer, despenca uma uma chuva torrencial com pingos grossos e tão violentos que mais parecem ácido. Combinação  perfeita para o humor que a despertara. Ela, semblante impassível, mantêm-se recostada no braço da poltrona. Estava farta de ser confundida com uma menina fútil e riquinha. Era rotulada de vazia e sem conteúdo. Equivocadamente, elaboram normas ridículas, baseadas em superficialidades. E para piorar, essa tempestade repentina ainda ameaçava seus planos de exterminar mais um cigarro. Por respeito aos irmãos, ainda crianças, evitava expô-los à fumaça assassina. Suas curvas esculturais, seus olhos azuis, cabelos lisos e curtos, deixavam a nuca à mostra. Existem na mulher partes de extrema sensualidade que quase nunca são notadas. As relações em geral sofrem naufrágios à medida que estímulos visuais são subvertidos pelas sensações. Sob um jeans justíssimo, via-se delinear os contornos do pecado. As formas insinuantes e voluptuosas da quase perfeição, que erroneamente intitulariam de objeto. Esgotaria-se até a última gota para não ser identificada como uma casca apresentável.  Convicta da sua supremacia como ser humano, restaria-lhe a trégua do silêncio. Cravada no dedo anelar esquerdo uma tribal em tinta preta. Um anel gigantesco de prata recobria o desenho, passando a impressão de uma aparência adequada aos olhos convencionais. Enquanto isso, o dilúvio perde força, torna-se moderado, a ponto de finalmente liberá-la. Em trote, alcançaria em dois tempos a padaria, próxima do seu destino de fuga habitual: A praça, que servia de desafogo a outros jovens e seus conflitos. Finalmente veria os pulmões livres para o hábito, que embora nocivo a colocava no rol dos “normais”. Atravessara a avenida como um raio. Infringira por certo, o limite de velocidade. Violara seguramente, regras de sinalização ao ignorar o farol e o significado de suas cores.

Um aroma forte e característico aspergindo detrás do balcão. Aqueles instantes de pausa proporcionam após o cigarro, a combinação exata do sabor inigualável que chamam de amargo estimulante. Absorta, observava uma máquina de café gemendo e apitando o término do longo processo. Atrás de uma portinhola ouvia-se um tilintar curto de moedas em troco. O atendente que tirara o café, trocaria a xícara de mãos, sentindo a temperatura exceder os 90o. O que certamente seria suficiente para derreter-lhe a pele e quase dissolvê-los os dedos.

Após o ritual do consumo quase afrodisíaco, entregaria-se ao silêncio resignado das próprias  explicações. Calar-se não significava consentir, nem admitir. Preferia a reclusão definitiva de estar certa. Isso lhe bastava. Em passadas contidas segue desviando-se das poças d'água. Em cerca de trinta minutos estaria em confronto direto com a realidade. Tudo não passaria de um simples intervalo.