Com 15 anos inteiros, sem registro em carteira, desprotegido pelos direitos da CLT, dono de uma única certeza: Teria comigo as rédeas da liberdade. Dei início nas minhas aguardadas atividades profissionais como vendedor de produtos de primeira necessidade, numa espécie de mercadão.O salário era ínfimo, mas o que importava é que eu estava crescendo, ganhando autonomia.
Havia no mercado inúmeros quiosques, por onde passava todos os dias, uma velha senhora - maltrapilha, rico acervo de palavrões. Desbocada mesmo! Familiarizada com o ambiente e os comerciantes, exigia em alto e bom som o objeto da sua compulsão, da sua loucura: Uma caixa de fósforos. Geralmente embriagada, sorriso sem dentes e uma mão estendida.
Temendo constrangimentos, os comerciantes submetiam-se sem hesitar àquele estranho pedido. Não ousavam o confronto dos olhos – assim como eu. Havia um cão em posição de ataque, exigindo que o seu insignificante capricho fosse respeitado. Naquela sanha de extravagâncias, imperava o absurdo das vontades de quem sabe, uma postulante a incendiária de Roma. Ou ainda, uma simples cidadã, contrária às regras do sistema. Buscando ao seu modo chamar a atenção do poder para a sua voz de comando.
Fui percebendo que naquele ato inadvertido de disparate existia uma centelha de censura.
Resquícios de sanidade dentro dos devaneios. Não estava embutida naquela súplica contínua, imposições de valor monetário – tratava-se de elementos simbólicos.
Perguntas que não calam:
Onde seria depositado tanto material?
Como se desencadeara o distúrbio?
Loucura?