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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Tarde no cais


Final da tarde, sentado à beira do cais, as pernas em pêndulo, pés riscando a água e provocando oscilações no mar e nos pensamentos. Nuvens esfomeadas flutuam, parecendo engolir umas às outras, num balé extravagante. Outras, se movimentam displicentes. Chocam-se entre si sem o menor senso de direção. Aqui e acolá, insetos abusados ensaiam ataques, logo abafados pelo rufar das asas de uma imponente borboleta.

Avisto um solitário pivete, franzino, cabelos espetados e tostados, metido numa embarcação improvisada de toras, barbantes, tecidos brancos rasgados e muita criatividade. Ignorando os imprevistos da travessia concentra-se no seu objetivo decisivo desde as fraldas: Navegar os sete mares com a desenvoltura de um veterano. Determinado, decifraria os rumos escondidos nos mistérios das correntes. Sentia-lhe respingar na testa e no peito pingos d'água e orgulho. Era-lhe notável a ambição pelo status de lobo do mar. Revoltava-lhe não ter nascido nos tempos de piratas. Não ter partilhado das caças ao tesouro. Eram-lhe pertinentes assuntos de Moby Dick, Barba ruiva, navios fantasmas e outras maresias.

Imaginava-se rompendo furiosas tempestades, singrando fácil as veredas das águas, transpassando a potência dos ventos. As intempéries naturais não conseguiriam demovê-lo sob hipótese nenhuma do  que o farol anunciava: Sensação de liberdade. Era bonito de se ver, um pequeno ponto aventureiro, convencido soberbamente ser um marinheiro escolado, aguentando o balanço, soltando as amarras. Único tripulante de uma embarcação sem rotas ou mapas. Seu destino não tinha inscrição, tamanho ou alcance. Não cabia-se nas simbologias do  alvo lenço das velas.

Da proa, sonhava alto. Em terra firme ou em mar grosso. De moleque topetudo à marujo coroa. No convés, um coquetel de batéis desarvorados, promessas em suspenso e destinos insólitos.

Cada um tem seus faróis. Aquele era o seu. Dele, não abriria mão.