Certamente será repentinamente surpreendida por uma astuta raposa que avançará sobre teus hábitos e te enlaçará em volta do pescoço uma pele diferente da sua. Esquecerá por uma vida que a vida que vivia era uma imposição e não uma escolha. Será ridícula vez em quando com contos de fada à bordo de um bote furado, com bilhetes açucarados, melados com apelidos caricatos. Esquecerá de si mesma e até das leis dos adultos, resumidas em não andar descalço (exceto para ser mais ágil). Não tomar chuva (exceto para ter companhia embaixo de um guarda-chuvas). Não ficar exposto ao sol do meio-dia (exceto para perder a hora sonhando). Não apoiar os cotovelos na mesa (exceto por admiração). Não falar alto (exceto para fazer ecoar aos quatro cantos o amor que desconhecia e que inconscientemente evitava). Não falar com estranhos (exceto para aproximar-se da intimidade e tocar na privacidade). Deixar-se exposto na vontade de entregar-se.
Dar-se-á conta que inadvertidamente ofereceu teu pescocinho imaculado para um desses vampiros prestes a abocanhar tua jugular. Junto com o sangue irá sugar sua fé, sua identidade, seu tempo, seu espaço, sua história. Bastará um breve toque na nuca para que se derreta feito manteiga, meia dúzia de promessas embrulhadas em “verdades” por interesse, enfeitadas com laços trapaceiros. Sinto muito, descobrirá o verdadeiro sentido de estar em maus lençóis.
Surpresa, boquiaberta, despertará para olhares intensos, incompreensíveis, descarados. Atônita, verá belos e inesquecíveis sonhos em pesadelos. Participará atenta de narrações que não te incluem. Fará o possível para aparecer como destaque. Será a todo custo o gancho que faltava para um desfecho feliz. Desempenhará a mais perfeita das companheiras até perceber que o amor que alimentara era apenas uma chama que se apagaria com um simples espasmo de decisão: Não é suficiente.