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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Sem fôlego


Duas bolas de fogo se derretem em chamas, cospem fagulhas e palavras com cheiro de cinzas. Verbos incandescentes e indecentes enfeitam os suspiros quentes, fazendo bolhas e estourando o tesão sem escrúpulos, que escorrega pelos becos sinuosos da intimidade até a contenção das ilusões de felicidade ao despertar. Numa ternura cínica arrebata-me pelos ombros, atira-me contra a timidez que me esconde, arranca com fúria os segredos debaixo do meu espaço reservado, atiça com seus atributos meus miolos, roça sedutora com os lábios os fios primatas da minha barba por fazer, arrebenta botões e zíperes com a pressa de quem não vê a hora do prazer explodir, faz ferver com seus compartimentos vulcões, tufões e jatos de lavas. Entre sucção e cavalgadas mergulho nas entranhas da tua carne dourada preparada para um banquete. Carícias e fricções de dois corpos entregues às fantasias de adormecer engatados. De morrer juntos, atados, ilhados... Da respiração ofegante à recomposição dos pulmões. Transito entre a brisa que nos refresca na madrugada e o sabor entre as tuas coxas.

O calor faz voar os lençóis e peças próximas da pele - vítimas constantes do pudor hipócrita que nos envolve. Sem sentir que os pés descalços ainda queimavam no desembarque ao tapete, sem nos importar com as asas chamuscadas no decolar da nossa fuga infantil esquecemos que a vida pulsava lá fora, que além dos nossos desejos existiam outros estágios, outras emoções fora de nós.

Confesso...

Desarmaria um exército de milicianos só para segurar teus quadris outra vez. Renunciaria ao apetite voraz do meu ego só para te perdoar de novo. Rejeitaria os apelos dos teus sussurros só para ouvi-la de verdade. Recusaria seus pedidos fora de hora só para me sentir importante nos pedidos seguintes. Encaixaria-me como peça perfeita no teu mundo de boneca só para ser o seu brinquedo e penetrar o teu castelo só mais um segundo. Dessa vez nu por inteiro.

Encontraria uma maneira de encontrar os teus olhos e assim como na primeira vez, vê-los sorrir, dessa vez definitivamente.

                                                          

sábado, 21 de janeiro de 2012

Vazio


Branco, liso, vazio... Deitado com as mãos na nuca e as pernas apoiadas no imenso espaço abstrato construído a partir do vão das minhas criaturas. À minha esquerda, junto de um coração aflito, estampado nas paredes macias, alvas, irritantemente perfeitas que quase me tocam, um papel amassado, torturado pelas mãos psicopatas dos erros e caligrafia analfabeta. Identifico cada senha incrustada na irônica piada de mim mesmo. Às vezes vejo graça nas imperfeições, até nas rasuras de um rascunho atirado ao solo.

Transformo o piso frio num leito em brasa onde cruéis correntes visitam meus pulsos. A boca lacrada balbucia seu nome em vão. Ecos silenciosos são devolvidos a um palmo de mim mesmo. Nesses quatro cantos onde busco medidas, num esforço incomum percebo a minha ausência.  Sozinho sou muitos, sou maior, melhor que nada.

Recebo golpes secos de vento, inalo sopros estranhos que vão direto ao estômago. Esticado no centro de um quarto amplo, falta espaço apenas para os pequenos pecados resultados da contravenção de crescer. A janela esquadrinha o sol em frestas entre meus cabelos ralos e mente curiosa. Sol que ousa despertar minhas pestanas, desliza sorrateiro sobre a silhueta da minha sombra. Transporta-me à infância onde despontam os primeiros indícios de um sonho tolo: Amor eterno.

Plantados num vaso estão todos os galhos secos que pisastes. Encolhidas e esquivas, recolheram-se as promessas que não cumpri. Não saíram do papel. A proposta era interessante: Seríamos imortais nas nossas cascas frágeis e intocáveis, na ousadia de competir... De jamais perder.

Acima de mim pairam os segredos traídos que rasgam o meu peito descoberto. O céu que procuro está encoberto por um teto branco, liso, vazio.

                                                                 


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Vaga viagem


Encharcado de lembranças e nostalgias me apoio no que sobrou de mim e na companhia de um cigarro aspiro as cinzas do passado. Dividimos nicotina e recordações. Tabaco e outros inimigos eu tiro de letra, o que me incomoda é o gesso que me imobiliza, é o resgate do passado que passou a galope sem o menor interesse de quem esperava por uma simples carona. Não sei viver de mentira. Só enceno e aceno para os estilhaços da minha emboscada real. Sou as memórias inteiras, as verdades palpáveis, as intensidades vividas, a lenta absolvição dissolvida no júri penal. Como produto perecível estou condicionado a me equilibrar sobre datas, geralmente prescritas. Os espinhos que perfuram as páginas da minha história são imortais. Já tentei atear fogo, mas as labaredas renascem ainda maiores, queimam qualquer esboço de reação. Sentado na varanda ouço o canto de sabiás que anunciam com sabedoria a ronda de intrusos. A sinfonia melódica orquestrada fora da gaiola só é interrompida nos intervalos irregulares em que mudam de posição tanto nos galhos quanto na classificação vocal (amadores de karaokê, sopranos ou tenores). Os Gaviões e demais inimigos são afastados do coral. Garras destoam da harmonia de gargantas afinadas (não afiadas). Uma máfia de galinhas esfomeadas disputa à unha grãos perdidos e farelos de qualquer coisa. Tomam conta das minhas pernas e se apossam de tudo que se aproxime do comestível.  Bicam com furor insetos e outros corpos rastejantes. Só eu que também me arrasto, sou afastado do cardápio. Sou indigesto.
 
Raios de sol atravessam a sombra de frondosas mangueiras. Formigas enfileiradas marcam as folhas com resistentes mandíbulas adaptadas para assinalar sua presença e, numa rapidez atrapalhada esbarram-se umas contra as outras, como se as folhas em fuga disparada se evadissem em correria. Enquanto aquele momento de contemplação se esvai, fico na efervescência (dentre tantas) viagens.

                                                      







terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Utopias


Era o que sorria no vácuo dos meus cálculos mal feitos, na insensatez das minhas atuações de indiferença.

Era o que via nas imagens trêmulas e desfocadas. Acreditava nos demônios vestidos de branco, nos castigos esculturados a partir dos palavrões inocentes proferidos no auge das turbulências imaginárias. 

Era quando me imaginava  no topo de uma encosta, próximo da linha do horizonte alcançando o céu. De braços erguidos tocaria nos mistérios insondáveis além dos sentidos espalmados ao meu alcance.  O meu tamanho reduzido impediu que me misturasse às estrelas, fizesse das minhas costelas constelações. Obstruíram minha vontade de levar comigo uma fatia do sol para evitar o inverno e não me sentir tão só. 

Era quando supunha enxergar a perspectiva das cores pelos meus olhos castanhos. Seguindo o meu delírio as cores escuras não existiriam. Exceto a poesia desse estranho processo seletivo onde os tons amargos eram destruídos. Sobrou-me a neutralidade da loucura real. A nitidez dos sonhos é pontiaguda como lanças, fatal como um disparo à queima roupa  e tão necessário quanto as minhas utopias.

Foram os sonhos que tive de olhos abertos em vigília cautelosa e, cerrados para fingir que não sentia. Os erros e desperdícios desnecessários. A minha teimosia sempre foi maior que as evidências. Com pompa e circunstância  sou o silêncio de todos os gritos, as cicatrizes de todas as colisões.

Eram a sorte idolatrada, acariciada entre os cobertores de ilusões que me aqueciam.

Eram os ímpetos velozes dos espasmos refletidos na ira repentina. A arritmia nunca compreendida da minha insistência.

Eram espelhos que simulavam a imagem sem defeitos, dos cabelos encaracolados em forma de nuvens, da vaidade expressa na minha cara lavada.

Eram as marcas pressupostamente indeléveis deixadas na minha pele com o simples toque dos teus dedos, a maneira com que pronunciava o amor apenas escrevendo.

Não tenho mais dúvidas: Fui enganado e ainda assim não desisti de sonhar.