Páginas

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Brincando com a hipocrisia


Com frequência, bruscamente sou assustado pela imagem nítida da minha infância, onde lembranças vivas ainda resistem ao tempo por cerca de 30 anos.

Todos os dias meu irmão e eu saíamos em disparada para o colégio. Atrasados, desatávamos o barulho inevitável da nossa pressa saudável nas escadarias do terceiro andar do prédio onde morávamos.

Senhoras recalcadas, hipócritas, falsas moralistas reclamavam das nossas peripécias. O barulho de crianças demoníacas (segundo elas), afrontava suas pressupostas prerrogativas à salvação. A nossa alegria causava-lhes desconforto. Nas noites de domingo, vestidas de longas saias escondendo as pernas brancas, sem graça, improváveis de desejos. Mascaravam-se sob véus escuros, a obscuridade mental das suas maldosas fofocas. Sempre ouvíamos indignados, os gritos desesperados de uma criança sendo castigada.

Esboços paroquiais fajutos, espreitam às janelas a rotina dos simples transeuntes, na busca de elementos que venham  incrementar suas vidas medíocres. Praticam novenas, decoram a bíblia e andam de braços dados com ela, como se possuíssem a fórmula da verdade.

De volta do colégio, atentos a qualquer detalhe que pudessem ser usados como matéria para nossas aventuras, tropeçamos em dezenas de folhas rasgadas de revistas pornográficas. Maliciosamente, entreolhamo-nos e com sorrisos irônicos, em sincronicidade pensamos nas beatas. Escolhemos minuciosamente as poses mais escancaradas e sem o menor constrangimento avançamos nossa molecagem. Em cada porta, depositamos estrategicamente recortes da suruba. Ficamos imaginando as caras atônitas das puritanas. Quem sabe tenham usado as figuras indecentes como inspirações para os seus discursos duvidosos.

Vingados, às gargalhadas seguimos para a próxima traquinagem.

Irmão, você partiu cedo demais. Às vezes me flagro rindo sozinho e olho para o vazio tentando enxergar teu sorriso sarcástico.  Tomara que possa me visitar vez em quando...

                                                                

                                            

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Esmaguei uma esperança



Antes de conseguir traduzir o significado daquele inseto verde, grandes antenas, olhos protuberantes e estranhos, asas inquietas e petulantes (aos meus olhos um alienígena), pisei na sua cabeça e dilacerei suas patas. Interpretar naquele bicho sorte e bons presságios foi naquele momento inconcebível. Meu álibi: Era assustador para uma criança.

Atrevida e inconveniente, em sobrevoo desajeitado pousou inadvertidamente sobre as minhas pernas. Sondado pelo sadismo pouco observado nas crianças, investi contra o estrangeiro e exterminei com a aflição que me causava.

Pezinhos incipientes marcham furiosos sobre o intruso. Ouve-se como um estalar de ossos. Um imaginário esqueleto frágil, desmanchado. Sob o piso marmoreado esparrama-se junto com a vítima, minha culpa e um prazer cruel, egoísta, mórbido (quase compreendo a mente dos assassinos). Por breves segundos senti um estranho poder, um naco de imortalidade. Aquele corpo tênue e franzino dificultava o meu toque descuidado. Crianças gostam do sentir pelo tato. Além dos estímulos visuais precisam do contato físico.  


Irritado pela coordenação descoordenada das mãos, pela impotência de não tê-la caprichosamente na palma da mão, covardemente a abati.    

Ao usar esse texto para representar meu eu incompleto, fico imaginando a infinidade de esperanças que pisoteamos, na vaidade que alimentamos para engordar o ego em queda constante.

Ainda cresço... E, uma vez grande, alcançarei outras alturas.

                                                             



quinta-feira, 2 de junho de 2011

Ilusão de ótica


Deitada sobre um tapete de grama, à beira de um lago plácido, espicha-se nua uma alma sem pudores. Tremores convulsivos e a febre dos desejos aquecem os sentidos. Enfeita de azul o ocre das sensações. A pele corada adorna meus pensamentos em malícia saliente. Meu corpo, em reação imediata, ergue-se incontrolável. Intrometido, anseia afundar-se nas suas entranhas, mordendo a isca lançada por deboche ao alcance dos fracos e suscetíveis. Indecentes suspiros se eriçam e quase deito com ela para silenciar o tormento que urra. Quase bronzeada, espreguiçando-se, estica suas curvas em arco deixando à mostra ondas atrevidas dos seios morenos. Em transitório instante de felicidade, desfruta da natureza que o astro presunçoso propaga em flashes o seu humor de verão. No encalço de um suposto paraíso clandestino, argumenta com sua beleza divina e ameaça a minha blasfêmia (dentre tantas). 

Move-se sedutora em posições verticais, esgueirando suas formas suaves pelo meu solo arenoso. Despachada no palco que ainda não tenho acesso, dispersa seus sabores e aumenta minha gula em jejum. Terna, brilhante e desinibida oferece a arbitrariedade do seu corpo exposto, do seu rosto calmo e espírito lúcido.  

Aparentemente exaurida, entrega-se à sesta restauradora e comprime a ilusão da eternidade que muitas vezes é confundida com direito adquirido. No desembaraço de um sonho casto, castrado no cansaço, descansa a ousadia nos braços tortos do acaso. Bela e traiçoeira, municiada de encantos, enfeitiça e embaralha minhas feições de insegurança. A minha timidez frente à sua beleza intimida.

Já que não posso penetrar o teu corpo transparente, transpor as tiras da tua superfície fresca, invado o reino das palavras, a fórmula das conjugações, a poesia do teu canto oculto encoberto pelas plumas de uma miragem imaterial. Na mudez sábia e elástica do teu dicionário, reclino as inspirações da poesia do teu corpo desfolhado.

Seria uma miragem?